Um feliz sorriso para todos

Vivemos de e para sorrir.

O segredo da vida poderá muito bem ser o manter da capacidade de sorrir, mesmo quando tudo o resto se encontre, a ruir. Contentamento local, despreocupação global. Sorrir.

As bolhas da felicidade contemporânea constroem-se com a plena ocupação do tempo e espaço mental. 8h para repouso onírico, 2h para refeições a correr, 10h para deslocação e ocupação laboral, que não sendo na sua maioria particularmente deleitosa, proporciona os rendimentos necessários à vivência pretendida no remanescer do tempo de vida.

Sobram assim 4h por dia e dois dias por semana para ocupação "livre".

Normalmente alicerçada numa aprazível sensação de dever cumprido, opta-se por desfrutar dos prazeres da vida. Sorrir. O que se traduz em festins gastronómicos, aquisição de bens materiais e o garantir de um contínuo e imparável fluxo de entretenimento, geradores de uma paz hipnótica. Este fluxo é essencial à endorfina, transmutadora do sentimento e pensamento holístico no mórfico do jumento. Sorrir.

Viver para sorrir, registar e partilhar esse sorriso, o próprio e o dos nossos, sem medir consequências. As notícias de calamidades extremas, desvalorizadas por vivermos em pontos centrais, as suas causas relativizadas por não sermos pessoas de extremos, consequências esquecidas por termos a capacidade de, na nossa bolha, sorrir e fazer sorrir.

Hoje teremos mesas e oferendas fartas cujo propósito principal é sobretudo o de nutrir esta corrente de sorrisos. Escondidos, na cadeia de produção deste momento, ficam todos os factores que, se aceites e tolerados, conduzirão à destruição sucessiva, de mais e mais bolhas de felicidade, até ao dia em que todos serão as notícias. Sorrir.

Há os que não querem saber, há os que sabem mas não acreditam que se pode mudar, há os que passam a saber e actuam. Hoje todos estarão misturados. Talvez não se fale disso. Porque hoje é um dia para... sorrir. Talvez num outro dia. Entre uma série, um filme, um jogo de futebol, uma ida ao supermercado, um churrasco. Talvez. Se os sorrisos deixarem.

Hoje é um dia feliz, com custos infelizes. Cuidado com a ilusão do sorriso vital pois ele é também um voraz sorriso fatal. Hoje sorria-mos. Mas por favor, amanhã, amanhã conversemos, seriamente, sobre o nosso presente, sobre o nosso futuro. Sorrir.


I Am

I am an human being
  [question mark]
I am an human being that can visit the forest.
I am an human being that cannot survive the forest.
I am an human being that does not eat brOther animals.
What would I eat?
What would I drink?
What would be my shelter?
How long would it take ME
  to evolve
                     to my primordial state?
As the broken horse becomes a strong stallion.
As the gentle pig becomes a wild hog.
What
  am
  I?




A Buja de Ti'Bordão


Ao pôr do sol, no final de mais uma labuta, todos os pastores se concentram no Monte dos Cercados, ateando fogueira, preparando púcaros, abrindo canivetes, antecipando um merecido repasto antes da sua entrega à soporífera noite estrelada, cada um ladeado pelos seus fiéis ovelheiros.

Do cimo observam entretidos um dos momentos mais divertidos da sua rotina. A chegada de Ti'Bordão, acompanhado de Capitão, Buja e seu rebanho. Ti'Bordão não é nome é alcunha, em reconhecimento da sua idade, da sua experiência, do seu saber, do seu sabor. Sendo o mais antigo dos pastores era tratado como se fora um tio de todos a quem muito ensinara, tantos quilómetros acumulados tinha em suas rijas pernas que mais parecia ser o seu cajado que nele se apoiava para aguentar a passada nas longas distâncias.

Ti'Bordão era sempre o último a chegar. Primeiro as suas ovelhas, tilintantes, dispersas, iniciavam a subida de forma caótica como que crianças procurando adiar o toque de recolher. Até que se ouvia uma voz de trovão!

- "CAPITÃO! ARREBANHA-ME ESSAS OVELHAS DE UM CABRÃO!"

(logo depois Ti'Bordão diz em surdina, de forma meiga: "Buja, quieta, juízo.")

Todos os pastores, bem como seus ovelheiros e ovelhas já acolhidas, ficavam em sentido com tamanha voz de comando. Já Capitão, um majestoso Castro Laboreiro, de olhar sagaz, cumpria com mestria, primeiro recuperava as tresmalhadas, depois agrupava-as num rebanho que mais parecia um único organismo de tão junto, de tão síncrono, tudo isto por pura imponência, sem um único latido.

Depois de impressionados todos os pastores esboçam um sorriso de deboche, antecipando o ridículo do próximo momento. Normalmente é quando tudo está encaminhado para um recolher simples e eficaz que Buja entra em acção. Buja é uma jovem cadela de fraca reputação, sem raça, de olhar tresloucado, com graves problemas no entendimento. Buja quase não pode ser considerada uma ovelheira. Adequa-se mais um estatuto de ovelha especial com alguns privilégios mais do que as ditas. Seja como fôr há algo na ordem instituída que a perturba profundamente pelo que repentinamente parte em velocidade de ponta, ziguezagueando de encontro ao coração do rebanho. As ovelhas ficam atarantadas iniciando-se a dispersão, Buja passa sobre, sob, entre elas, aparecendo e desaparecendo por entre os seus corpos felpudos, por vezes não calcula bem a distância vendo-se mesmo alguns cordeiros a voar. Capitão desespera, perde a compostura elegante, late, rosna, tentando restituir a ordem de forma intimidante. Os pastores entretidos gargalham.

Já Ti'Bordão trovão novamente

- "BUJA! AH SUA PUTA! AQUI JÁÁÁÁÁÁÁ!"

Um atento Capitão interpela a azáfama de Buja com um laber de focinho ternurento, esta volta a si, orgulhosa de seu nome estar no que parece ser uma frase de comando, apressa-se a chegar aos pés de Ti'Bordão espojando-se de barriga para cima, cauda a dar a dar, como que esperando uma recompensa merecida pelo seu melhor trabalho possível. Enquanto Ti'Bordão a afaga Capitão volta a fazer o que tem de ser feito, aproveitando a distracção de Buja, reagrupa e encaminha o rebanho ao seu cercado.

Juntando-se aos seus colegas, ainda de cara húmida das lágrimas que choraram de tanto rir, Ti'Bordão é interpelado por um deles.

- "Oh Ti'Bordão, não sei como você aguenta. Todo o santo dia a mesma coisa. Está visto que essa cadela não serve para nada. Só lhe dá despesa e trabalhos. É dar-lhe uma bordoada nos cornos e tentar com outro. Pode ser que tenha a sorte de lhe sair outro Capitão."

Ti'Bordão não levou a mal. Também ele quando mais jovem, menos vivido, se regia por outros valores. Olhando para todos aqueles seus colegas de bronze fundido na pele, agredidos pelos elementos, envolvidos pela rude solidão do campo, regidos pelos ditames do sol e da terra, disse-lhes:

- "Na imensidão deste nada que absorve toda a nossa vida a Buja mostrou-me servir para algo essencial para mim e Capitão. De forma irritantemente inexplicável, dia após dia, do primeiro ao último quilómetro, Buja faz o inesperado, consegue quebrar o nosso pranto fazendo-nos rir, coisa que desvalorizava por não se suceder antes dela se juntar a nós."

Os pastores fecharam o sorriso, não mais abordaram o tema nessa noite. Já deitados, vários deles ponderam seriamente se quando Buja tiver uma ninhada Ti'Bordão lhes teria a amabilidade de oferecer uma cria. De preferência a que aparente ser mais tonta e inútil.



Asdrubal, o Girassol

Num futuro longínquo a garantia da sobrevivência da humanidade só pôde ser alcançada através de uma polémica manipulação genética. A escassez de terra fértil, a incapacidade de produção suficiente de alimentos para suster sequer um décimo da população, forçou esta evolução artificial. 
Evolução conseguida via um tortuoso processo com sacrifício da ética por parte de cientistas, quebra do juramento de Hipócrates por parte da Medicina, violações dos direitos humanos das suas cobaias, sucessiva geração/aniquilação de monstruosas quimeras antropomórficas, onde todos os meios eram justificados pelos possíveis fins: a salvação ou condenação da espécie humana. 

Felizmente a autoria da História permite flexibilidade na fidelidade do seu relato. O percurso até aqui foi glorificado como conveio, omitindo-se tudo o que teve de vergonhoso e censurável. O mais importante é que se atingira o sucesso. A humanidade tornou-se capaz de subsistir exclusivamente via um novo processo biológico de fotossíntese.

A longo prazo se descobrirão os efeitos colaterais de tão radical xenobiologia. Agora, no médio prazo, a humanidade desfruta de um mundo novamente equilibrado do ponto de vista ambiental, depois de milhares de milhões se tornarem em fábricas processadoras de dióxido de carbono, um mundo onde deixaram de existir conceitos de magreza e obesidade, o corpo processava agora de forma inconsciente exactamente o necessário sem qualquer carência ou desperdício, um mundo onde a produção intensiva de alimentos deixou de ser necessária, fazendo com que milhares de milhões de hectares fossem devolvidos à Natureza que, muito mais rápido do que o previsto, sarou as feridas abertas pelo Homem recuperando fauna e flora em toda a sua magnificência. 

O único senão é o facto desta fotossíntese recém-adquirida ser algo lenta, obrigando a largos períodos de exposição solar. Facto que levou à reformulação da arquitectura para potenciar ao máximo a exposição solar, criando-se também uma nova indumentária universal muito aproximada à utilizada em zonas balneares, o que de certa forma veio trazer enorme beleza estética à Humanidade uma vez que o corpo humano, qualquer que ele fosse, era agora digno de ser admirado.

Todos desfrutavam desta nova era com alegria e deslumbramento. Todos excepto Asdrubal. Asdrubal teve o azar de ser o primeiro caso de deficiência genética, tornando-se no primeiro ostracizado desta época. Asdrubal não podia andar livremente pela rua sem ser alvo de chacota imediata. Tal como no passado distante era-o apenas por ser diferente dos demais. Isto porque Asdrubal apenas conseguia realizar a fotossíntese através da sua escandalosamente descoberta genitália. 

Para sobreviver Asdrubal era assim obrigado a constantemente posicionar-se de acordo com a orientação solar por forma a garantir plena exposição da sua única parte funcional. Para seu infortúnio rapidamente passou a ser mundialmente conhecido como o estranho caso de Asdrubal, o Girassol.

Foto de depositphotos

Salvaterra-te


O FDS passado passei-o em Salvaterra do Extremo no festival Salva a Terra. Fui por impulso, sem ligar a programa do festival, voluntariei-me para ajudar na organização, e para além de pessoas puras conheci um espantoso Parque Natural do Tejo Internacional ao qual irei um dia regressar para valentes caminhadas.

O ambiente inspirador provocou em mim um alto débito de micro-pensamentos desconexos resultantes do olhar, escutar e sentir toda a envolvência humana e natural.

Aqui ficam alguns para registo e partilha.

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Sempre que Eu
Tu
Sempre que Tu
Eu

Sempre

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O lobo mau contemporâneo é o soprador de folhas.

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No passado, ao abandono do método tradicional chamou-se inovação. No futuro, ao retorno do método tradicional chamar-se-á inovação. O presente é mero desperdício residual.

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De nada adianta o acordar matinal quando o viver é tarde demais.

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"Eu não sou de ferro" lamenta-se a vergada estátua de latão.

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Lutar contra o Universo é o viver no seu reverso.

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Tudo o que é preciso para tornar os outros felizes é ser-se um bom taberneiro.

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Apesar do riso dos outros o riso supremo é posse do louco em cuecas.

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A velocidade da vida é melhor entendida quando a condução das suas rédeas é feita por um cão idoso.

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Continuarás a sentir-te perdido enquanto a tua boca falar mais do que o teu olhar.

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Mais do que ensinar as crianças a lidar com o monstro debaixo da cama deveríamos alertá-las para os perigos do monstro que dorme em cima da cama.

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Não raras vezes o emprego é o trabalho organizado executado por pessoas caóticas e o voluntariado é o trabalho caótico executado por pessoas organizadas.

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Aparentemente ter filhos é fácil quando se é despojado de tudo o resto. Do nada ter, tudo se obtém, sendo o próprio Universo prova disso.

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Aninha-te como um pássaro, persuade como um gato, defende como um cão, fazendo-te assim um bom homem.

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Não percas tempo a tentar encantar um bruto. Fascina-te antes pelo encanto que também nele reside.

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No campo existem tantas espécies de sombras como espécies de árvores.

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Os idosos tragam a vida da juventude saboreando a qualidade da sua sementeira.

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A melhor maneira de manter amizades é ser-se gentil para com forasteiros.

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Cria as tuas crianças como animais, com pouco mais que afecto, ração, água, e arrisca-te a que elas sejam livres e felizes como animais.

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Pro-bono deveria significar que toda a remuneração foi gasta ao conseguir reunir as condições necessárias para o garantir de uma excelente performance.

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Se ao viajares te sentes confortável em lugares estranhos, demoras a ter saudades, então já terás percebido que a tua primeira casa és tu.

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Não persigas as lições de quem detém o conhecimento. Recebe-as de quem o tem, partilhando-o espontaneamente.

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Por vezes quando és abordado num mar de estranhos deverás ter a sabedoria de te deixares embarcar aproveitando a viagem.

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A vida que passa
A morte que chega
Antípodas falsas gémeas
Siamesas

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No corpo tela
A vida é aguarela
A tatuagem é fábula
A cicatriz é rábula
A ruga é escória
O todo é história


Trinca

Poesia na ponta da língua
Entusiasmado ... dentei-a
Uma trinca de dor e apneia
Sangue em boca à míngua

Poema ceifado
Poeta desesperado

Tentei os neurónios
Que assombrados por demónios
Me entregam peças travessas
De outros enigmas, reprimidos à parte
Num tetris de estigmas. amontoado sem arte

Remexer com pinça
Entre casos de amor
Entre casos de piça
Entre drama e horror

Poeta desolado
Poema poetizado


Passeio serrano

A flor floresce
O insecto urge
O pasto cresce
O bovino muge
A árvore cortiça
A ave aninha
O vento atiça
O pinhão pinha

A água corrente
A pedra escalda
O cágado contente
O caminho balda

O caracol lento
O tempo ... tempo

O jumento passa
A serra esgueira
O jumento caça
Bala traiçoeira
Animal ferido
Vida morta
Pena torta
O poema ... perdido


Caminhada da Via Algarviana

Em Abril de 2017 caminhei os 300 km da Grande Rota Via Algarviana e uma vez que não encontrei muitas referências de pessoas que o tenham feito irei aqui partilhar a minha experiência pessoal para que futuros caminhantes possam retirar algumas dicas e melhor preparar a sua aventura.


Por motivos de calendário precisei de encurtar de 14 para 11 dias a duração da caminhada pelo que irei estruturar este post de acordo com o meu plano de caminhada e  não o recomendado. Tenho boa preparação física, estou habituado a fazer semanas de trekking a nível nacional ou internacional de pouco mais de 100 km em vários tipos de terreno (plano a montanha) e acabei por não planear estes dias em pormenor, até porque estava em Portugal e supostamente seria fácil lidar com imprevistos falando com a população local.

Dicas Globais

Para além dos canais oficiais cruzei-me com este blog de um trekker que falava sobre segmentos do percurso. Inicialmente pensava realizar a caminhada nas duas primeiras semanas de Maio, no entanto após mensagens trocadas com o autor do blog antecipei-a para ter início a 22/04, o que me permitiu poupar dois dias de férias apanhando os feriados de 25 de Abril e 1 de Maio. Em Maio as temperaturas serão bastante mais elevadas tornando a caminhada mais complicada. Os melhores meses para a realizar serão Março e Abril, a Primavera está no seu auge, os cursos de água terão um caudal adequado para a sua passagem e as temperaturas estão a um nível confortável. Antes existe frio, água, lama, depois existe demasiado calor.

Apanhei temperaturas máximas que variaram entre os 17º e os 25º, 5 dias de céu limpo, 4 dias de céu nublado e 2 dias de chuva frequente (num fraca noutro forte). Devido ao tipo de vegetação na serra a maioria dos percursos não tem sombra pelo que com céu limpo torra-se um pouco, tendo em conta as temperaturas amenas a chuva até sabe bem, quando forte tem dois contras, o aumento rápido dos caudais e o dificultar do percurso nos declives devido a lamas. Usei a app Tempo XL tendo como referências Alcoutim, Silves, Monchique, Sagres para prever as condições climatéricas do dia seguinte. Iniciei as caminhadas entre as 06h30m e as 07h para ter 3h a 4h de temperaturas confortáveis, ver o nascer do sol e as aves no pico da sua actividade. Desta forma os percursos mais pequenos são realizáveis até à hora de almoço, os restantes até ao final da tarde.

Por norma não utilizo bastões, mesmo com cargas a rondar os 20 Kg às costas, no entanto para este trilho, mesmo com uma mochila que não ultrapassava os 10 Kg já com bebida e comida para o dia, decidi levar dois bastões para enfrentar as constantes subidas e descidas. Foram essenciais para conseguir fazê-lo em 11 dias, nos 14 dias recomendados não seriam obrigatórios já que estaria menos cansado, a não ser talvez para o dia de subir a serra de Monchique que realmente é extenuante. Encontrei dois trekkers que faziam a rota em sentido contrário ao recomendado optando por trocar subidas mais agressivas por descidas mais agressivas.

As dores musculares serão inevitáveis sendo que nesta caminhada me surgiram em locais onde nunca tinha tido, com intensidade bastante aguda. Nomeadamente na zona articular frontal do pé, na zona da canela, provavelmente devido ao esforço em declives pouco habituais. Pelo que será uma zona a fortalecerem com treino para evitarem mazelas e diminuírem necessidade de gestão de dores.

O tipo de piso é maioritariamente terra rija ou rocha recortada, normalmente em caminho com dois metros de largura utilizada para acessos a exploração florestal e apagar de fogos. Existe muita pedra solta que cortam a estabilidade do pé, em alguns locais gravilha profunda. Só uma pequena parte será em via asfaltada ou trilhos apertados.

Quanto a transportes usei um mix de Rede Expressos e EVA. Para chegar a Alcoutim a melhor opção a que cheguei foi apanhar o expresso para Beja e daí um transporte EVA que sai às 6ªs às 13h45m. Em Beja a 200 metros da estação têm um restaurante vegetariano "Sabores do Campo" onde dá para almoçar entre viagens. A alternativa à viagem seria ir ter a Vila Real de Santo António, via autocarro ou comboio, e daí apanhar o transporte EVA que sai diariamente às 17h e picos.

Para além da primeira noite em Alcoutim não fiz qualquer reserva de alojamento, à chegada sondava o local e fazia a escolha de onde dormir. Levei também comigo um colchão e saco-cama para o caso de ser necessário pernoitar pelo caminho. Nunca aconteceu, ainda bem pois as noites são orvalhadas e sem um abrigo ficar-se-à encharcado. Existem nas aldeias alguns pontos onde seria possível pernoitar abrigado, paragens de autocarro, zonas de tanques de lavagem de roupa, etc. O alojamento local não tem grande capacidade, se houverem grupos grandes a caminhar podem realmente lotar pelo que o telefonema no dia anterior dará alguma paz de espírito aos que não lidam bem com imprevistos. A maioria dos alojamentos foi remodelado com fundos europeus e tem boas condições. O custo médio de dormida para um caminhante será de 30 €, para dois será de 20 €. Muitos oferecem pequeno-almoço. Se não os tomarem por saírem mais cedo podem pedir o farnel ao jantar para levar no dia seguinte. 

Em termos de refeições o custo médio será de 10 €, para os vegetarianos como eu é bastante limitado pois em alguns pontos julgam que peixe faz parte da dieta, além de não terem flexibilidade para fugir às omeletes e tradicionais acompanhamentos de arroz, batata frita e salada mista.

Um ponto muito importante é o de suporte de meios de pagamento. Devido às taxas cobradas vários dos restaurantes, mercearias e mesmo alojamentos não permitem pagamento multibanco. Ou seja é necessário andar com dinheiro suficiente em carteira para pagar todas as necessidades. Depois de Alcoutim só no Cachopo volta a existir multibanco!

Por vezes vão chegar às localidades a horas, ou dias, em que as mercearias estão fechadas, só existe restauração. Acabei várias vezes por fazer as compras do farnel para o dia seguinte nos restaurantes onde jantava.

Em grande parte do percurso não há qualquer suporte de dados e em alguns locais nem sequer rede de comunicação por telemóvel. Pelo que estejam preparados para longos períodos em modo offline.

Os algarvios destas localidades tratam toda a gente por tu e gostam bastante de conversar com gente nova pelo que estejam preparados para retribuir à altura. Normalmente só passam por aqui estrangeiros pelo que um português é sempre novidade e refrescante para eles. Se alguns aldeões fugirem para dentro de casa ao ver-vos não se preocupem, não é nada pessoal, têm indicação da GNR para não dar conversa a estranhos a fim de evitar burlas.

Quanto a marcações 90% do caminho está em condições excelente, depois em alguns pontos houve alteração/eliminação de marcações devido a crescimento vegetação, vandalismo ou acção humana como obras, cortes de árvores, etc. Para esses momentos de dúvida, que podem surgir quando temos menos forças para sondar o terreno em redor, será útil levar o trilho em formato GPX para acesso em apps como o GPX Viewer.

Pessoas

Como sabem os bons trekkers a caminhada é apenas parte da experiência, a outra parte importante é cruzarmo-nos e socializar com outras pessoas partilhando histórias e opiniões. Pelo que vi nos guestbooks neste percurso mais de 90% dos caminhantes serão estrangeiros, a maioria acima dos 50 anos, cruzei-me com vários tipos. Vários deles arranhavam o português e apesar de ser mais fluido ter uma conversa em inglês preferiam mesmo ter uma conversa básica em português para aperfeiçoar o seu conhecimento da nossa língua. Para minha memória futura partilho alguns dos conhecimentos travados.

Logo no primeiro dia na paragem intermédia em Mértola para apanhar autocarro de ligação a Alcoutim conheço Mark, britânico dos seus 50s, que diz fazer vida de backpacking desde 1994! Quanto tinha 26 anos fez uma viagem à Ásia onde se apercebeu que poderia viver como um rei com muito pouco dinheiro. Ao retornar ao Reino Unido passou a fazer uma vida de poupança, era micro-biologista responsável por laboratórios de controlo de qualidade de comida de grandes marcas, foi vendendo tudo o que tinha, casa, carro, ficando a viver com a mãe. Conseguiu amealhar uma boa maquia que multiplicou com investimentos imobiliários e posteriormente investimentos em bolsa até conseguir viver apenas dos rendimentos. Durante dois ou três meses investe e multiplica poupanças o restante do tempo percorrer países em backpack. Os seus pertences materiais eram o trolley e uma caixa de cartão em casa da mãe. Adorou Portugal, estava cá há dois meses percorrendo a linha interior usando transportes interurbanos sem nada planeado. O seu plano para o futuro é alistar-se como voluntário num Mercy Ship e assim ajudar e conhecer mais mundo. Procura um país ideal para poder viver como um rei quando não tiver pedalada para mais viagens.
Pelo caminho apanhei em noites intercaladas um bando de trekkers alemães, suecos, e holandeses que faziam só caminhadas curtas, de 15 km, sem carga, tendo transportes para o restante. Tratavam-me como o super-português que fazia o que segundo eles a idade já não lhes permitia.
Em Alte apanhei um casal de Holandeses nos seus 50s que percorriam Portugal há um mês, tinham vindo pelo Alentejo e entrado na Via Algarviana. Faziam uns 20 kms por dia. Conversa puxa conversa e revelaram-se grandes empresários. Detinham uma companhia de transportes internacionais com uma frota de perto de 500 camiões, uma vez por mês para 'desintoxicar' de toda a pressão inerente à gestão da empresa faziam caminhadas imersivas desconectado do seu mundo. Tinham também uma filosofia de vida holística tendo adquirido uma igreja secular que recuperaram e transformaram num centro de actividades vocacionadas para o desenvolvimento espiritual. Acharam o nosso país fenomenal e não perceberam porque tantos portugueses se queixavam da vida ao longo da sua viagem. Esclareci-os com alguns indicadores, o nosso salário médio, salário mínimo, quantos ganhavam esse salário mínimo, etc e tal e ficaram estupefactos. Depois expliquei-lhes também a origem pecaminosa do fado deixando-os divertidos. Era um casal muito boa onda, foi um bom jantar a seu lado.

A uns 8 km de chegar a Silves apanhei um Holandês de 20 e poucos anos que fazia a via Algarviana no sentido contrário. Trazia tenda consigo tendo a flexibilidade de pernoitar em qualquer ponto. Estivemos meia hora na galhofa a trocar dicas sobre os caminhos futuros. Só tinha consigo garrafas para um litro de água, dizia que as enchia pelo caminho. Estava já todo ressequido e tinha 10 km até à fonte de água mais próxima. Avisei-o de que dali para a frente a água não era propriamente potável e dei-lhe meio litro de água, aliviando meio quilo de peso, já que me faltavam duas horas de caminho e a ele provavelmente umas seis.

Em Barão de São João uma senhora mete-se comigo em português, pensei que tivesse uns 60 e picos, tinha 73, holandesa, vivia cá há 20 e tal anos. Queria rodar o português, disse-me que o caminho que eu ia fazer no dia seguinte era muito bonito e que ela própria o fazia de vez em quando porque eram só umas 4 horas de caminhada.

Por fim quando me arrastava entre o Cabo de São Vicente e Sagres sinto uma passada fortíssima atrás de mim, uma alemã robusta, de 50 e picos, que também ia para Sagres, juntou-se a mim e fomos falando o que me fez esquecer a falência física em que me encontrava. Tinha tido uma carreira ao mais alto nível como controladora financeira de um grande grupo alemão, até que há poucos anos achou que isso lhe estava a roubar o tempo de vida, devido à responsabilidade e disponibilidade exigida. Deixou esse emprego conseguindo mesmo assim uma posição confortável como auditora externa para trabalhos ocasionais. Visitou Sintra onde por acaso viu a brochura da rota no Alentejo, 260 km que partem de Santiago do Cacém com junção da rota histórica e da rota de costa Vicentina. Nunca tinha feito trekking na vida, arriscou. Adorou a experiência e diz que vai voltar para fazer a rota Algarviana pois perdeu-se tendo ido parar a Marmelete tendo gostado muito da zona apesar da maior dificuldade do percurso. Ficou maravilhada com a hospitalidade dos portugueses tendo-se entendido às mil maravilhas até com os seus anfitriões que não falavam inglês. Dei-lhe dois xicorações de despedida pela companhia e alívio que me fez aos kilómetros finais, deixei-a na paragem para Lagos e segui para a praia.


Posto estas dicas e partilha de experiências sigo agora para a caminhada em si que é o que interessará mais aos que projectam fazer esta grande rota.

Dia 1 - Alcoutim - Balurcos - Furnazinhas = 40 km

Em Alcoutim o telemóvel transita entre rede espanhola, rede portuguesa e sem rede o que baralha o relógio do telemóvel pois se estava na rede espanhola e perde a rede é essa a hora que fica como hora de referência. Tenham isso em conta quando forem acertas os despertadores e fazer o sector 1.

Os primeiros 24 km são sobretudo em curvas, mais do que em declives. Fi-los em 5 horas, chegado a Balurcos foi preciso andar mais 1 km, para trás, para ir ter ao restaurante. Uma vez aí apercebi-me que por estrada Alcoutim estava a apenas 7 km! Pelo que se por algum motivo necessitarem de encurtar dias podem perfeitamente fazer esses 7 km e depois o sector 2. O tipo de paisagem perdida no sector 1 vão tê-la nos próximos sectores.

Depois de almoçado ainda era cedo, estava com força e Balurcos não tinha nada para oferecer pelo que apesar de não previsto decidi fazer o sector 2 que é fácil. 

Nas Furnazinhas só existe uma oferta de alojamento e restauração, ao que percebi existem quartos individuais e camas tipo hostel, pediu-me 50 € para alojamento, jantar e pequeno-almoço. Como não aceitava multibanco não tinha esse dinheiro comigo... bem conversado consegui cortar o preço consideravelmente e ter o problema resolvido. O Sr. João e a dona Olívia são muito simpáticos e acompanham todo o jantar com uma boa converseta tornando a estadia muito acolhedora.

Dia 2 - Furnazinhas - Vaqueiros - Cachopo = 35 km

Mais uma vez não era este o plano inicial mas só em Cachopo existia multibanco pelo que tive de juntar estes sectores pois já não tinha dinheiro suficiente comigo para jantar nem dormir. A única dificuldade foi mesmo a longa extensão em que se transformou o dia. 

Vaqueiros é uma vila simpática, descansei quase 2 horas na sombra da paragem de autocarro junto à igreja no topo da qual existe um ninho de cegonhas. Têm também piscinas municipais pelo que para quem pernoite pode aí realizar uma descompressão.

Existe um alojamento 4 km antes de chegar a Cachopo, eu pernoitei mesmo em Cachopo em quartos disponibilizados pelo restaurante "Retiro dos Caçadores". A dona Olímpia e seu marido fizeram questão me fazer companhia ao jantar falando sobre os velhos tempos e os novos tempos daquela zona.

Dia 3 - Cachopo - Barranco do Velho = 30 km

Neste dia sente-se o impacto dos declives constantes sendo o primeiro dia mais exigente do ponto de vista físico e mental. As curvas, contra-curvas e declives tornam difícil estimar tempo e distância por observação e por vezes parece que fizemos o dobro ou o triplo do que realmente fizemos.

Logo à saída de Cachopo, quando nos deparamos com a estrada nacional, saí do trilho sem perceber como, para reentrar nele atravessei um parque de merendas que ao fundo tinha um trilho estreito que ia ter ao trilho marcado.

Quando chegarem à ribeira de Odeleite, não há que enganar pois a sua largura é de vários metros, o trilho parece desaparecer, basicamente a partir da tabuleta que indica para atravessar a ribeira há que ir para a direita, o objectivo é uma subida enorme do outro lado. São uns 2 km de declive inclinado que devo ter feito numa hora...

A pensão "Tia Bina" é também um restaurante de muito boa qualidade, havia um grupo de trekkers estrangeiros a ter orgasmos gastronómicos, a mim desenrascaram-me uma massa vegetariana que me encheu as medidas e tinham uma mousse de chocolate do outro mundo.

Dia 4 - Barranco do Velho - Salir - Alte = 30 km

Já tinha previsto unir estes dois sectores pois são de grau reduzido de dificuldade. O caminho faz-se bem e o sector 6 tem zonas muito bonitas. Considerei o sector 7 como um dos com mais presença humana, que se estranha depois de tantos kms a caminhar com sensação de isolamento, pelo que se ponderarem cortar este troço podem em Salir apanhar um transporte para Alte onde existe uma zona balnear espectacular, com piscina de água de nascente, que podem usufruir livremente. Poupam um dia e usufruem deste espaço.

Mesmo antes de Alte há um local onde fica confuso para onde é o trilho, induz mesmo em circulo, o caminho é subir a serra em frente com piso de gravilha branca. Há depois uma parte de trilho apertado que parece entrar em mato denso, é mesmo por aí, a vegetação é que é vigorosa e cobriu o trilho por não ter a intensidade de utilização que o impeça. Em algumas zonas usei o bastão quase como catana para afastar o mato.

Em Alte não dá para fugir ao hotel, ainda a 2 km da chegada a Alte, que tem também um muito bom restaurante "A Cataplana" com opções vegetarianas. Para se abastecerem podem no caminho para lá sair do trilho marcado e virar à esquerda na Igreja para passar por um mini-mercado que fica a quase 1 km do hotel pelo que se forem directos para o hotel vão ter de penar para voltar atrás...

Dia 5 - Alte - São Bartolomeu de Messines = 20 km

Depois da estafa dos dias anteriores este seria o meu dia de descanso. É uma caminhada tranquila. Depois de algumas perguntas aos locais o alojamento escolhido foi o "Casa Bartolomeu" que é mais caro do que as pensões mas com muito mais qualidade para além de ter restaurante de boa qualidade.

Existem mercearias locais mas à saída, seguindo o trilho, a 1 km da Casa Bartolomeu existe um Intermarché que podem preferir.

Dia 6 - São Bartolomeu de Messines - Silves = 30 km

Os próximos 3 dias são a verdadeira provação desta rota. Iniciando-se com o caminho para Silves. Existe uma intensificação acentuada dos declives que têm impacto directo no corpo com cansaço acumulado dos dias anteriores. Com a agravante de uma vez chegados a Silves termos de andar 2 km fora da rota, em direcção ao centro de Silves onde se encontram os alojamentos. Eu estava estafado, eram umas 19h, chovia pelo que me arrastei até ao hotel mais perto, o "Colina dos Mouros". Pelo caminho abasteci-me no Lidl. De noite recomendo-vos jantar no "Taberna Almedina" que tem bom ambiente, boa comida e também opções vegetarianas.

Provavelmente se usarem uma das apps Booking ou Airbnb existem opções de alojamento mais baratas, tentem investigar isso no dia anterior tendo sempre em conta a localização.

Atenção que quando estão a fazer os 10 km ao largo da reserva de água vai haver um ponto em que dois cães vos vão 'atacar'. São de uma das casas junto ao trilho, não existe escapatória, ou se avança ou se recua ou se espera que apareça o dono para resolver. São cães de uns 25 kg cada bastante atrevidos. Caminhei de marcha atrás usando os bastões cruzados para servir de barreira e chegaram-se a um dedo dos mesmos a ladrar/rosnar.

Dia 7 - Silves - Monchique = 30 km

Mentalmente estava preparado para uma pausa pois deitei-me com chuva intensa e as previsões eram de trovoadas para o dia seguinte. Inesperadamente ao acordar não chovia, as previsões eram de apenas duas horas de chuva, uma de manhã outra ao final da tarde, pelo que me fiz à estrada. Parti às 08h chegando ao destino apenas às 19h. Foi o dia mais longo sendo também um dos mais agradáveis, mais não seja porque existe um contraste de paisagem em relação aos dias anteriores com bastante vegetação e pequenos cursos de água. Finalmente existe sombra e protecção de chuva! O mais complicado deste dia são os últimos 10 km que são uma desgastante subida interminável.

Mesmo antes de se iniciar a subida o trilho fica confuso pelo que quando chegarem a um ponto em que estão em trilho estreito com uma marcação numa casa abandonada devem seguir para a esquerda, atravessando um riacho, entrando em mata densa que esconde a próxima marcação. Saberão que estão no caminho errado se começarem a ver várias casas abandonadas até irem ter a uma com uma ponte em arco sobre o riacho. Voltem para trás que explorei o seguir em frente e as condições não eram as melhores.

Cuidado no topo da Picota, tinha botas enlameadas, as rochas estavam húmidas, escorreguei não me aleijando por sorte, partindo um dos bastões no processo. Também aí o trilho desaparece. Só têm de sair da picota pelo lado inverso em que a subiram e o trilho acaba por surgir.

Dia 8 - Monchique - Marmelete = 15 km

Pensei que fosse uma caminhada de descompressão mas tirem essa ideia da cabeça. Há muita subida e descida para tão curta distância, ao ponto de ter de arranjar um cajado de eucalipto para substituir o bastão que tinha partido para aliviar a pressão sobre as pernas.

O Restaurante "Sol da Terra" oferece quartos porreiros sendo que ficam nas traseiras da taberna podendo ser algo barulhento, depende da bebedeira dos clientes. Se forem muito sensíveis a barulho para conseguir adormecer tentem a casa de acolhimento do povo que é gerida pela dona do restaurante que fica em frente à caixa multibanco.

Dia 9 - Monchique - Bensafrim - Barão São João = 35 km

Aqui o desafio é sobretudo a extensão, de resto a caminhada é tranquila sem grandes declives acentuados. Existe muita água que por vezes inunda o trilho, só numa das vezes tive de recorrer ao clássico atirar as botas para o outro lado e atravessar de pés descalços. O caudal dependerá das chuvas existindo potencial para muita lama e zonas mais aquáticas que terrenas.

Cuidado para não enveredarem pela ligação a Aljezur, cruzei-me com uma trekker que vinha de lá e se enganou indo parar a Marmelete. As marcações são idênticas, o crucial são os pontos com tabuletas e indicação no número de grande rota.

Chegado a Bensafrim não existia alojamento disponível, só a kms para trás, mesmo restaurantes só churrasqueira que para mim vale zero, pelo que depois de falar com uns locais segui em frente para Barão de São João onde existe mais alojamento. Era esticar o dia encolhendo o próximo.

Barão de São João é uma aldeia muito peculiar com grande influência de estrangeiros imigrados, manifestações de arte nas ruas, dois bares/restaurantes de grande nível, acabei por me sentir afortunado por ser forçado a mais uma hora de caminhada e assim poder conhecer melhor este local.

Se optarem por fazer isto então escusam de seguir a rota ao entrar em Bensafrim, fazendo um U de 1 km na vila, podem cortar logo para seguir caminho, ou então no topo, junto ao mercado municipal perguntam direcções para seguir por um caminho paralelo que é capaz de poupar 1 km.

Dia 10 - Barão São João - Vila do Bispo = 25 km

Metade do caminho atravessa uma mata nacional com árvores e sombra, a outra metade é reserva natural com vegetação rasteira, num percurso bastante fácil com a motivação extra de estarmos quase no final, a aproximar-nos do mar.

Quando chegarem à rotunda da via rápida devem assim que possível cortar para a esquerda e voltar para trás em terreno de terra apesar de isso não ser muito claro.

Em Vila do Bispo o alojamento oficial é de 50 € por noite para cima, pelo que a alternativa é o Hostel on the Hill que fica na Raposeira, 5 km antes, ou optar por usar o Booking ou Airbnb para obter em Vila do Bispo um quarto em particular por metade do preço. Depende de como queiram que seja o último dia.

Existe um Lidl em Vila do Bispo.

Aproveitem para usar as apps para reservar a noite de Sagres.

Dia 11 - Vila do Bispo - Cabo São Vicente - Sagres = 22 km

Atenção, a partir de Vila de Bispo existem duas rotas para o Cabo de São Vicente, a da via Algarviana com 17 km e a da costa Vicentina com 14 km. A nossa é a que volta para trás e passa pelo Lidl em estrada de terra paralela à estrada asfaltada.

Agora o fim está ali ao alcance de umas horas! Pois, mas com os kms acumulados nas pernas e a cabeça a pensar que já está o mais certo é acontecer algo perto da meta que obrigue a superação adicional. Foi o que me aconteceu quando parecia canja, uma dor incapacitante vinda do nada que me deu algum trabalho a perceber como atenuar. O caminho é praticamente plano, à torreira do sol, talvez porque o corpo foi educado nos últimos dias para lidar com declives de subida e/ou descida, de repente, quando deveria ser mais fácil, parece que não sabe lidar tão bem com longas distâncias em terreno plano que exigem outro tipo de competências musculares e articulares. 

Uma vez dominada a dor, após um último esforço, chegamos ao Cabo de São Vicente, ponto de encontro de vários trekkers que vêm também da rota que parte de Santiago do Cacém com 260 km. É encher a vista de mar, descansar, e decidir o que fazer agora para chegar a Sagres.

Existem três hipóteses. Apanhar um autocarro diário que parte às 11h55m e 15h05m, conseguir uma boleia ou andar 6 km até ao centro. Tinha chegado ao meio-dia não me apetecendo esperar pelo autocarro, os carros são na sua maioria alugados por turista sem espaço para trekkers e suas tralhas pelo que acabei por andar em companhia de outra trekker. Chegando a Sagres é ir directos para a praia, mergulhar directamente no mar, desfrutar do local e do feito realizado!

Caso decidam palmilhar esta via espero que de alguma maneira vos tenha ajudado na preparação e que vos corra tudo bem. Deixem depois aqui feedback sobre a vossa experiência para facilitar a vida a futuros caminhantes. Boa caminhada!



Vidas Particulares

No maior acelerador de partículas conhecido, o circuito da existência, são disparados a alta velocidade, em todas as direcções, milhares de milhões de fachos de partículas de vida. Dividem-se em três grupos. As partículas solitárias, que percorrem rapidamente todo o circuito sem se cruzar com nenhuma das outras. As partículas estacionadas que entendem suspender a sua rota à primeira colisão frontal, pois a inércia exige muito menos esforço que o movimento perpétuo. E por fim as partículas propulsoras.

A partícula propulsora é a génese do sistema, é ela que o enriquece com a sua complexidade, tornando-o interessantíssimo de observar. A partícula propulsora tem uma dinâmica muito particular, apresenta velocidades diferentes em momentos diferentes, sendo capaz de impôr desvios não só à sua rota original como à rota de todas as partículas que dela se aproximem, conseguindo mesmo a proeza de impelir movimento renovado em partículas estacionadas. Uma partícula propulsora sente-se sobretudo atraída por partículas de natureza distinta, que a abismem, repelindo partículas de natureza demasiado similar, que se limitam a ser um seu reflexo.

Sempre que uma destas vidas propulsoras se envolve com uma outra vida, ambas espiralam vagarosamente, interseccionam-se, colidem, procurando concertar um novo rumo que sirva a ambas. O ponto crucial é o momento em que se enfadam do espiralar. Aí chegadas é iniciada uma delicada negociação, que tanto se pode revelar um elegante duelo de esgrima olímpica como um sangrento duelo de espadas medievais. Os argumentos  dividem-se em duas categorias. Os do sagrado coração contra os da estupidez da razão. Os idílicos e belos argumentos do coração vêem-se muitas vezes esmagados pela estupidez dos argumentos da razão, que, por muito que custe, não deixam de ter o que são. No final dá-se o embainhar de línguas estando encontradas as novas rotas de duas partículas.

No final deste processo qualquer uma destas partículas se pode transformar numa solitária, estacionada ou disparar a alta velocidade em nova direcção, mantendo a sua propulsão. Com um pouco de sorte seguem paralelas, lado a lado, à mesma velocidade, tornando possível observar a olho nu o traçado das mais belas trajectórias de vida.

http://elitefon.ru/abstract/34242-serdechek-forme-linii-ogonki.svet.chyornyi-fon.html



O abismar da fé

Roçando o abismo encontra-se abismado um pároco ímpar, com coração vago de amor, divagando sobre um mar de vagas cheias, do mesmo sal de suas lágrimas salteadas.

Agarrando a corda da batina recorda com agrado as leituras deleitadas dos escritos sagrados. Dizem os homens cultos serem escritos plenos de planos ocultos. Será que o melhor esconderijo de significados por entre palavras é a ignorância de quem as lê e delas tece juízo?

São textos e discursos à época inspiradores, ainda hoje sugados por aspiradores à ascensão, que muitas vezes atingem a mera cessão. Algures pelo meio encontra-se este prior, gerindo sua dor, sendo notória a tensão da retenção dos velhos ensinamentos dos evangelhos. É uma apneia difícil pois tudo o que é inspirado mais tarde ou mais cedo terá de ser expirado. A curto, médio ou longo prazo apenas uma ínfima fracção será retida, sendo tudo o resto expelido como se nunca fora lido. Será sempre este o resultado das lições fatídicas sine qua non de qualquer vida empírica.

Ele encontra-se no ponto em que o tempo deixa de existir, o tempo passa a coexistir. Dentro de sua cabeça o que aconteceu está equidistante do que acontece, do que planeia vir a acontecer, milénios separados por escassos milésimos de segundo. Se assim é na sua simples cabeça porque num Universo muito mais complexo também o passado, presente e futuro não poderão coexistir de mão dada?

Ao pensar sobre de quem serão essas mãos repentinamente dá-se o advento de vento, abruptamente brumas abatem-se sobre o abade que, mostrando-se inabalável, bate pés pacificamente e abala.

Borrowed from original post The Blessings of Doubt



Escrito de Fresco porquê?

Há quem me tome por incontinente verbal mas a verdade é que a minha língua não tem débito suficiente para o turbilhão de pensamentos que me assolam a mente a todo o momento. Alguns engraçados, outros desgraçados, mas vários merecedores desta lapidação digital para a posteridade e, quem sabe, para a eternidade. Os escritos aqui presentes surgiram do nada e significam aquilo que quiseres. Não os escrevi para mim mas sim para ti. Enjoy

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