tag:blogger.com,1999:blog-13792879545250252672024-03-13T04:09:16.570+00:00Escrito de Fresco - cuidado com as palavras escorridasHá quem me tome por incontinente verbal mas a verdade é que a minha língua não tem débito suficiente para o turbilhão de pensamentos que me assolam a mente a todo o momento. Alguns engraçados, outros desgraçados, mas vários merecedores desta lapidação digital para a posteridade e, quem sabe, para a eternidade. Os escritos aqui presentes surgiram do nada e significam aquilo que quiseres. Não os escrevi para mim mas sim para ti. EnjoyO Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.comBlogger73125tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-15109656384941662442019-12-24T12:42:00.002+00:002019-12-24T12:42:45.051+00:00Um feliz sorriso para todosVivemos de e para sorrir.<br />
<br />
O segredo da vida poderá muito bem ser o manter da capacidade de sorrir, mesmo quando tudo o resto se encontre, a ruir. Contentamento local, despreocupação global. Sorrir.<br />
<br />
As bolhas da felicidade contemporânea constroem-se com a plena ocupação do tempo e espaço mental. 8h para repouso onírico, 2h para refeições a correr, 10h para deslocação e ocupação laboral, que não sendo na sua maioria particularmente deleitosa, proporciona os rendimentos necessários à vivência pretendida no remanescer do tempo de vida. <br />
<br />
Sobram assim 4h por dia e dois dias por semana para ocupação "livre".<br />
<br />
Normalmente alicerçada numa aprazível sensação de dever cumprido, opta-se por desfrutar dos prazeres da vida. Sorrir. O que se traduz em festins gastronómicos, aquisição de bens materiais e o garantir de um contínuo e imparável fluxo de entretenimento, geradores de uma paz hipnótica. Este fluxo é essencial à endorfina, transmutadora do sentimento e pensamento holístico no mórfico do jumento. Sorrir.<br />
<br />
Viver para sorrir, registar e partilhar esse sorriso, o próprio e o dos nossos, sem medir consequências. As notícias de calamidades extremas, desvalorizadas por vivermos em pontos centrais, as suas causas relativizadas por não sermos pessoas de extremos, consequências esquecidas por termos a capacidade de, na nossa bolha, sorrir e fazer sorrir.<br />
<br />
Hoje teremos mesas e oferendas fartas cujo propósito principal é sobretudo o de nutrir esta corrente de sorrisos. Escondidos, na cadeia de produção deste momento, ficam todos os factores que, se aceites e tolerados, conduzirão à destruição sucessiva, de mais e mais bolhas de felicidade, até ao dia em que todos serão as notícias. Sorrir.<br />
<br />
Há os que não querem saber, há os que sabem mas não acreditam que se pode mudar, há os que passam a saber e actuam. Hoje todos estarão misturados. Talvez não se fale disso. Porque hoje é um dia para... sorrir. Talvez num outro dia. Entre uma série, um filme, um jogo de futebol, uma ida ao supermercado, um churrasco. Talvez. Se os sorrisos deixarem.<br />
<br />
Hoje é um dia feliz, com custos infelizes. Cuidado com a ilusão do sorriso vital pois ele é também um voraz sorriso fatal. Hoje sorria-mos. Mas por favor, amanhã, amanhã conversemos, seriamente, sobre o nosso presente, sobre o nosso futuro. Sorrir.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3wKbHDgcuHMCtnG042ISr2Uyy3Te4sKFhxIOZBhEeOfCsPCBdVQc5P0-3F2wxyZ4ORQshHyykqC00ziIS13UmyJyZKlSCuXzb7cNgihIBLYl9dkEWl8n_IaVbhk3Mc_BH2HRuQZoxPMI/s1600/pain-behind-smile.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="326" data-original-width="340" height="382" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3wKbHDgcuHMCtnG042ISr2Uyy3Te4sKFhxIOZBhEeOfCsPCBdVQc5P0-3F2wxyZ4ORQshHyykqC00ziIS13UmyJyZKlSCuXzb7cNgihIBLYl9dkEWl8n_IaVbhk3Mc_BH2HRuQZoxPMI/s400/pain-behind-smile.jpg" width="400" /></a></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-86075011914059169582018-06-27T23:21:00.002+01:002023-06-17T09:51:17.286+01:00I AmI am an human being<br />
<span style="white-space: pre;"> </span>[question mark]<br />
I am an human being that can visit the forest.<br />
I am an human being that cannot survive the forest.<br />
I am an human being that does not eat brOther animals.<br />
What would I eat?<br />
What would I drink?<br />
What would be my shelter?<br />
How long would it take ME<br />
<span style="white-space: pre;"> </span>to evolve<br />
to my primordial state?<br />
As the broken horse becomes a strong stallion.<br />
As the gentle pig becomes a wild hog.<br />
What<br />
<span style="white-space: pre;"> </span>am<br />
<span style="white-space: pre;"> </span>I?<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://www.mentalfloss.com/article/73288/15-eerie-things-about-japans-suicide-forest" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;" target="_blank"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="720" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLO9cDAcKJeNtk2yTDsmpeMAksd5hqPAmzr3_sws7_2CaQ3ihoBgA43-eziDifsZ8oHfxvKPMrkSZMGEDOX6idCQDUVdQJKx20Zqu318D2vHdtB87D58frpDXRoa0BzZtVpwVTgyjQQP9hcRZ0ra7JNn4pGAX7w6Ks31Fw4Uj6CSzI2EIFDehu14BN/w400-h266/lost-forest.jpg" width="400" /></a></div><br /><br /></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-1394455824934234752017-10-15T12:50:00.000+01:002017-10-15T19:17:50.680+01:00A Buja de Ti'Bordão <br />
Ao pôr do sol, no final de mais uma labuta, todos os pastores se concentram no Monte dos Cercados, ateando fogueira, preparando púcaros, abrindo canivetes, antecipando um merecido repasto antes da sua entrega à soporífera noite estrelada, cada um ladeado pelos seus fiéis ovelheiros.<br />
<br />
Do cimo observam entretidos um dos momentos mais divertidos da sua rotina. A chegada de Ti'Bordão, acompanhado de Capitão, Buja e seu rebanho. Ti'Bordão não é nome é alcunha, em reconhecimento da sua idade, da sua experiência, do seu saber, do seu sabor. Sendo o mais antigo dos pastores era tratado como se fora um tio de todos a quem muito ensinara, tantos quilómetros acumulados tinha em suas rijas pernas que mais parecia ser o seu cajado que nele se apoiava para aguentar a passada nas longas distâncias.<br />
<br />
Ti'Bordão era sempre o último a chegar. Primeiro as suas ovelhas, tilintantes, dispersas, iniciavam a subida de forma caótica como que crianças procurando adiar o toque de recolher. Até que se ouvia uma voz de trovão!<br />
<br />
- "CAPITÃO! ARREBANHA-ME ESSAS OVELHAS DE UM CABRÃO!"<br />
<br />
(logo depois Ti'Bordão diz em surdina, de forma meiga: "Buja, quieta, juízo.")<br />
<br />
Todos os pastores, bem como seus ovelheiros e ovelhas já acolhidas, ficavam em sentido com tamanha voz de comando. Já Capitão, um majestoso Castro Laboreiro, de olhar sagaz, cumpria com mestria, primeiro recuperava as tresmalhadas, depois agrupava-as num rebanho que mais parecia um único organismo de tão junto, de tão síncrono, tudo isto por pura imponência, sem um único latido.<br />
<br />
Depois de impressionados todos os pastores esboçam um sorriso de deboche, antecipando o ridículo do próximo momento. Normalmente é quando tudo está encaminhado para um recolher simples e eficaz que Buja entra em acção. Buja é uma jovem cadela de fraca reputação, sem raça, de olhar tresloucado, com graves problemas no entendimento. Buja quase não pode ser considerada uma ovelheira. Adequa-se mais um estatuto de ovelha especial com alguns privilégios mais do que as ditas. Seja como fôr há algo na ordem instituída que a perturba profundamente pelo que repentinamente parte em velocidade de ponta, ziguezagueando de encontro ao coração do rebanho. As ovelhas ficam atarantadas iniciando-se a dispersão, Buja passa sobre, sob, entre elas, aparecendo e desaparecendo por entre os seus corpos felpudos, por vezes não calcula bem a distância vendo-se mesmo alguns cordeiros a voar. Capitão desespera, perde a compostura elegante, late, rosna, tentando restituir a ordem de forma intimidante. Os pastores entretidos gargalham.<br />
<br />
Já Ti'Bordão trovão novamente<br />
<br />
- "BUJA! AH SUA PUTA! AQUI JÁÁÁÁÁÁÁ!"<br />
<br />
Um atento Capitão interpela a azáfama de Buja com um laber de focinho ternurento, esta volta a si, orgulhosa de seu nome estar no que parece ser uma frase de comando, apressa-se a chegar aos pés de Ti'Bordão espojando-se de barriga para cima, cauda a dar a dar, como que esperando uma recompensa merecida pelo seu melhor trabalho possível. Enquanto Ti'Bordão a afaga Capitão volta a fazer o que tem de ser feito, aproveitando a distracção de Buja, reagrupa e encaminha o rebanho ao seu cercado.<br />
<br />
Juntando-se aos seus colegas, ainda de cara húmida das lágrimas que choraram de tanto rir, Ti'Bordão é interpelado por um deles.<br />
<br />
- "Oh Ti'Bordão, não sei como você aguenta. Todo o santo dia a mesma coisa. Está visto que essa cadela não serve para nada. Só lhe dá despesa e trabalhos. É dar-lhe uma bordoada nos cornos e tentar com outro. Pode ser que tenha a sorte de lhe sair outro Capitão."<br />
<br />
Ti'Bordão não levou a mal. Também ele quando mais jovem, menos vivido, se regia por outros valores. Olhando para todos aqueles seus colegas de bronze fundido na pele, agredidos pelos elementos, envolvidos pela rude solidão do campo, regidos pelos ditames do sol e da terra, disse-lhes:<br />
<br />
- "Na imensidão deste nada que absorve toda a nossa vida a Buja mostrou-me servir para algo essencial para mim e Capitão. De forma irritantemente inexplicável, dia após dia, do primeiro ao último quilómetro, Buja faz o inesperado, consegue quebrar o nosso pranto fazendo-nos rir, coisa que desvalorizava por não se suceder antes dela se juntar a nós."<br />
<br />
Os pastores fecharam o sorriso, não mais abordaram o tema nessa noite. Já deitados, vários deles ponderam seriamente se quando Buja tiver uma ninhada Ti'Bordão lhes teria a amabilidade de oferecer uma cria. De preferência a que aparente ser mais tonta e inútil.<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwgOOmT2OmAtrASqG-dx1J0yk73VSoQtumAJktxADYLL6NXv_scZqJuBvzJw45uktfC75OCRx9x3QVMbJcaLYWT1_vFdBuNIUCwDIxMEvUhc7kBlkvPH3VeHNRqJBWRZDsZFnIFY5aoo0/s1600/buja.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="356" data-original-width="500" height="282" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhwgOOmT2OmAtrASqG-dx1J0yk73VSoQtumAJktxADYLL6NXv_scZqJuBvzJw45uktfC75OCRx9x3QVMbJcaLYWT1_vFdBuNIUCwDIxMEvUhc7kBlkvPH3VeHNRqJBWRZDsZFnIFY5aoo0/s400/buja.jpg" width="400" /></a></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-31833342269319355012017-08-15T13:03:00.002+01:002017-08-16T14:14:52.290+01:00Asdrubal, o Girassol<div data-contents="true">
<div class="" data-block="true" data-editor="el28k" data-offset-key="94sbt-0-0">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="94sbt-0-0">
<span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true">Num futuro longínquo a garantia da sobrevivência da humanidade só pôde ser alcançada através de uma polémica manipulação genética. A escassez de terra fértil, a incapacidade de produção suficiente de alimentos para suster sequer um décimo da população, forçou esta evolução artificial. </span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="94sbt-0-0">
</div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="94sbt-0-0">
<span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true">Evolução conseguida via um tortuoso processo com</span></span><span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"><span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"> sacrifício da ética por parte de cientistas, quebra do juramento de Hipócrates por parte da Medicina, </span></span>violações dos direitos humanos das suas cobaias, sucessiva geração/aniquilação de </span></span><span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"><span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true">monstruosas </span></span>quimeras antropomórficas, onde todos os meios eram justificados pelos possíveis </span></span><span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"><span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true">fins</span></span>: a salvação ou condenação da espécie humana. </span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="94sbt-0-0">
<span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"><br />Felizmente a autoria da História permite flexibilidade na fidelidade do seu relato. O percurso até aqui foi glorificado como conveio, omitindo-se tudo o que teve de vergonhoso e censurável. O mais importante é que se atingira o sucesso. A humanidade tornou-se capaz de subsistir exclusivamente via um novo processo biológico de fotossíntese. </span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="94sbt-0-0">
<span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"><br /></span></span></div>
</div>
<div class="" data-block="true" data-editor="el28k" data-offset-key="17veb-0-0">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="17veb-0-0">
<span data-offset-key="17veb-0-0"><span data-text="true">A longo prazo se descobrirão os efeitos colaterais de tão radical xenobiologia. Agora, no médio prazo, a humanidade desfruta de um mundo novamente equilibrado do ponto de vista ambiental, depois de milhares de milhões se tornarem em fábricas processadoras de dióxido de carbono, um mundo onde deixaram de existir conceitos de magreza e obesidade, o corpo processava agora de forma inconsciente exactamente o necessário sem qualquer carência ou desperdício, um mundo onde </span></span><span data-offset-key="17veb-0-0"><span data-text="true"><span data-offset-key="17veb-0-0"><span data-text="true">a produção intensiva de alimentos deixou de ser necessária, fazendo com que </span></span>milhares de milhões de hectares fossem devolvidos à Natureza que, muito mais rápido do que o previsto, sarou as feridas abertas pelo Homem recuperando fauna e flora em toda a sua magnificência. </span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="17veb-0-0">
<br />
<span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true">O único senão é o facto desta
fotossíntese recém-adquirida ser algo lenta, obrigando a largos períodos de exposição solar. Facto que levou à reformulação da arquitectura para potenciar ao máximo a exposição solar, criando-se também uma nova indumentária universal muito aproximada à utilizada em zonas balneares, o que de certa forma veio trazer enorme beleza estética à Humanidade uma vez que o corpo humano, qualquer que ele fosse, era agora digno de ser admirado.</span></span><br />
<span data-offset-key="94sbt-0-0"><span data-text="true"><br /></span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="17veb-0-0">
</div>
</div>
<div class="" data-block="true" data-editor="el28k" data-offset-key="f43fk-0-0">
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="f43fk-0-0">
<span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true">Todos desfrutavam desta nova era com alegria e deslumbramento. Todos excepto Asdrubal. Asdrubal teve o azar de ser o primeiro caso de deficiência genética, tornando-se no primeiro ostracizado desta época. Asdrubal não podia andar livremente pela rua sem ser alvo de chacota imediata. Tal como no passado distante era-o apenas por ser diferente dos demais. Isto porque Asdrubal apenas conseguia realizar a fotossíntese através da sua </span></span><span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true"><span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true">escandalosamente descoberta </span></span>genitália. </span></span><br />
<span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true"><br /></span></span>
<span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true">Para sobreviver Asdrubal era assim obrigado a constantemente posicionar-se de acordo com a orientação solar por forma a garantir plena exposição da sua única parte funcional. Para seu infortúnio rapidamente passou a ser mundialmente conhecido como o estranho caso de Asdrubal, o Girassol.</span></span></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="f43fk-0-0">
<span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true"><br /></span></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://pt.depositphotos.com/45101255/stock-photo-portrait-of-man-in-sunflower.html" rel="nofollow" target="_blank"><img alt="Foto de depositphotos" border="0" data-original-height="666" data-original-width="1023" height="260" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhv7gU-aAlUi6Z4FgSh2xMxEW0q_MfXeaIrVTPjvu0PHHlhShM0ydIsbU3ESwWsW8ATV3iUQdihavy5ITgZdaEfUw1ElI-jzAYFgYzO76zvGBkwLAfwcoaJ8WSHrBgYxK2-HpuHEWqlR-c/s400/man-in-sunflower.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="_1mf _1mj" data-offset-key="f43fk-0-0">
<span data-offset-key="f43fk-0-0"><span data-text="true"><br /></span></span></div>
</div>
</div>
O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-18579558100794977832017-06-26T22:16:00.002+01:002017-07-05T10:24:11.501+01:00Salvaterra-te<br />
O FDS passado passei-o em Salvaterra do Extremo no festival <a href="http://salvaterra.pt/" target="_blank">Salva a Terra</a>. Fui por impulso, sem ligar a programa do festival, voluntariei-me para ajudar na organização, e para além de pessoas puras conheci um espantoso <a href="http://tejointernacional.pt/" target="_blank">Parque Natural do Tejo Internacional</a> ao qual irei um dia regressar para valentes caminhadas.<br />
<br />
O ambiente inspirador provocou em mim um alto débito de micro-pensamentos desconexos resultantes do olhar, escutar e sentir toda a envolvência humana e natural.<br />
<br />
Aqui ficam alguns para registo e partilha.<br />
<br />
--<br />
<br />
Sempre que Eu<br />
Tu<br />
Sempre que Tu<br />
Eu<br />
<br />
Sempre<br />
<br />
--<br />
<br />
O lobo mau contemporâneo é o soprador de folhas.<br />
<br />
--<br />
<br />
No passado, ao abandono do método tradicional chamou-se inovação. No futuro, ao retorno do método tradicional chamar-se-á inovação. O presente é mero desperdício residual.<br />
<br />
--<br />
<br />
De nada adianta o acordar matinal quando o viver é tarde demais.<br />
<br />
--<br />
<br />
"Eu não sou de ferro" lamenta-se a vergada estátua de latão.<br />
<br />
--<br />
<br />
Lutar contra o Universo é o viver no seu reverso.<br />
<br />
--<br />
<br />
Tudo o que é preciso para tornar os outros felizes é ser-se um bom taberneiro.<br />
<br />
--<br />
<br />
Apesar do riso dos outros o riso supremo é posse do louco em cuecas.<br />
<br />
--<br />
<br />
A velocidade da vida é melhor entendida quando a condução das suas rédeas é feita por um cão idoso.<br />
<br />
--<br />
<br />
Continuarás a sentir-te perdido enquanto a tua boca falar mais do que o teu olhar.<br />
<br />
--<br />
<br />
Mais do que ensinar as crianças a lidar com o monstro debaixo da cama deveríamos alertá-las para os perigos do monstro que dorme em cima da cama.<br />
<br />
--<br />
<br />
Não raras vezes o emprego é o trabalho organizado executado por pessoas caóticas e o voluntariado é o trabalho caótico executado por pessoas organizadas.<br />
<br />
--<br />
<br />
Aparentemente ter filhos é fácil quando se é despojado de tudo o resto. Do nada ter, tudo se obtém, sendo o próprio Universo prova disso.<br />
<br />
--<br />
<br />
Aninha-te como um pássaro, persuade como um gato, defende como um cão, fazendo-te assim um bom homem.<br />
<br />
--<br />
<br />
Não percas tempo a tentar encantar um bruto. Fascina-te antes pelo encanto que também nele reside.<br />
<br />
--<br />
<br />
No campo existem tantas espécies de sombras como espécies de árvores.<br />
<br />
--<br />
<br />
Os idosos tragam a vida da juventude saboreando a qualidade da sua sementeira.<br />
<br />
--<br />
<br />
A melhor maneira de manter amizades é ser-se gentil para com forasteiros.<br />
<br />
--<br />
<br />
Cria as tuas crianças como animais, com pouco mais que afecto, ração, água, e arrisca-te a que elas sejam livres e felizes como animais.<br />
<br />
--<br />
<br />
Pro-bono deveria significar que toda a remuneração foi gasta ao conseguir reunir as condições necessárias para o garantir de uma excelente performance.<br />
<br />
--<br />
<br />
Se ao viajares te sentes confortável em lugares estranhos, demoras a ter saudades, então já terás percebido que a tua primeira casa és tu.<br />
<br />
---<br />
<br />
Não persigas as lições de quem detém o conhecimento. Recebe-as de quem o tem, partilhando-o espontaneamente.<br />
<br />
--<br />
<br />
Por vezes quando és abordado num mar de estranhos deverás ter a sabedoria de te deixares embarcar aproveitando a viagem.<br />
<br />
--<br />
<br />
A vida que passa<br />
A morte que chega<br />
Antípodas falsas gémeas<br />
Siamesas<br />
<br />
--<br />
<br />
No corpo tela<br />
A vida é aguarela<br />
A tatuagem é fábula<br />
A cicatriz é rábula<br />
A ruga é escória<br />
O todo é história<br />
<br />
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-48402846067163796092017-05-28T14:04:00.001+01:002017-05-29T21:40:30.716+01:00TrincaPoesia na ponta da língua<br />
Entusiasmado ... dentei-a<br />
Uma trinca de dor e apneia<br />
Sangue em boca à míngua<br />
<br />
Poema ceifado<br />
Poeta desesperado<br />
<br />
Tentei os neurónios<br />
Que assombrados por demónios<br />
Me entregam peças travessas<br />
De outros enigmas, reprimidos à parte<br />
Num tetris de estigmas. amontoado sem arte<br />
<br />
Remexer com pinça<br />
Entre casos de amor<br />
Entre casos de piça<br />
Entre drama e horror<br />
<br />
Poeta desolado<br />
Poema poetizado<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV9AhvZKBED8VL9szZsH78HlsEI8l-wuENRuWXH5O4IK9qFxxJW9Iso27HEAnY6PJPsMgHbY6q_k-7L3BapRaRAZfTOpSjAiyN5_rhB39DLPXEkbtBm4xF9PuZ3hILsE9_suHK2_5U6oo/s1600/puzzled-mind.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="640" data-original-width="1024" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjV9AhvZKBED8VL9szZsH78HlsEI8l-wuENRuWXH5O4IK9qFxxJW9Iso27HEAnY6PJPsMgHbY6q_k-7L3BapRaRAZfTOpSjAiyN5_rhB39DLPXEkbtBm4xF9PuZ3hILsE9_suHK2_5U6oo/s400/puzzled-mind.jpg" width="400" /></a></div>
O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-76216712409325776672017-05-21T19:35:00.001+01:002017-05-21T19:45:46.004+01:00Passeio serranoA flor floresce<br />
O insecto urge<br />
O pasto cresce<br />
O bovino muge<br />
A árvore cortiça<br />
A ave aninha<br />
O vento atiça<br />
O pinhão pinha<br />
<br />
A água corrente<br />
A pedra escalda<br />
O cágado contente<br />
O caminho balda<br />
<br />
O caracol lento<br />
O tempo ... tempo<br />
<br />
O jumento passa<br />
A serra esgueira<br />
O jumento caça<br />
Bala traiçoeira<br />
Animal ferido<br />
Vida morta<br />
Pena torta<br />
O poema ... perdido<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl95csSZ77neoUu-If8iLf2pE5l1z9ltdksSNeZ0SpU0XEvnURapbhhe-DZtXKnyfVk-JUZ5PKU-28x7pVjsG6_-_LrMtGFiGphTNJDWstVDiYABKBSXjG3Qi48p8yPNLVwePW-vynM_s/s1600/empty-shell.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl95csSZ77neoUu-If8iLf2pE5l1z9ltdksSNeZ0SpU0XEvnURapbhhe-DZtXKnyfVk-JUZ5PKU-28x7pVjsG6_-_LrMtGFiGphTNJDWstVDiYABKBSXjG3Qi48p8yPNLVwePW-vynM_s/s1600/empty-shell.jpg" /></a></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-55892472867382324232017-05-05T16:16:00.000+01:002017-05-06T09:54:33.078+01:00Caminhada da Via AlgarvianaEm Abril de 2017 caminhei os 300 km da Grande Rota <a href="http://www.viaalgarviana.org/" target="_blank">Via Algarviana</a> e uma vez que não encontrei muitas referências de pessoas que o tenham feito irei aqui partilhar a minha experiência pessoal para que futuros caminhantes possam retirar algumas dicas e melhor preparar a sua aventura.<br />
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Por motivos de calendário precisei de encurtar de 14 para 11 dias a duração da caminhada pelo que irei estruturar este post de acordo com o meu plano de caminhada e não o recomendado. Tenho boa preparação física, estou habituado a fazer semanas de trekking a nível nacional ou internacional de pouco mais de 100 km em vários tipos de terreno (plano a montanha) e acabei por não planear estes dias em pormenor, até porque estava em Portugal e supostamente seria fácil lidar com imprevistos falando com a população local.<br />
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<h3>
Dicas Globais</h3>
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Para além dos canais oficiais cruzei-me com <a href="http://proximaventura2.blogspot.pt/2017/03/kaminhada-retiro-pela-via-algarviana.html" target="_blank">este blog</a> de um trekker que falava sobre segmentos do percurso. Inicialmente pensava realizar a caminhada nas duas primeiras semanas de Maio, no entanto após mensagens trocadas com o autor do blog antecipei-a para ter início a 22/04, o que me permitiu poupar dois dias de férias apanhando os feriados de 25 de Abril e 1 de Maio. Em Maio as temperaturas serão bastante mais elevadas tornando a caminhada mais complicada. Os melhores meses para a realizar serão Março e Abril, a Primavera está no seu auge, os cursos de água terão um caudal adequado para a sua passagem e as temperaturas estão a um nível confortável. Antes existe frio, água, lama, depois existe demasiado calor.</div>
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Apanhei temperaturas máximas que variaram entre os 17º e os 25º, 5 dias de céu limpo, 4 dias de céu nublado e 2 dias de chuva frequente (num fraca noutro forte). Devido ao tipo de vegetação na serra a maioria dos percursos não tem sombra pelo que com céu limpo torra-se um pouco, tendo em conta as temperaturas amenas a chuva até sabe bem, quando forte tem dois contras, o aumento rápido dos caudais e o dificultar do percurso nos declives devido a lamas. Usei a app Tempo XL tendo como referências Alcoutim, Silves, Monchique, Sagres para prever as condições climatéricas do dia seguinte. Iniciei as caminhadas entre as 06h30m e as 07h para ter 3h a 4h de temperaturas confortáveis, ver o nascer do sol e as aves no pico da sua actividade. Desta forma os percursos mais pequenos são realizáveis até à hora de almoço, os restantes até ao final da tarde.</div>
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Por norma não utilizo bastões, mesmo com cargas a rondar os 20 Kg às costas, no entanto para este trilho, mesmo com uma mochila que não ultrapassava os 10 Kg já com bebida e comida para o dia, decidi levar dois bastões para enfrentar as constantes subidas e descidas. Foram essenciais para conseguir fazê-lo em 11 dias, nos 14 dias recomendados não seriam obrigatórios já que estaria menos cansado, a não ser talvez para o dia de subir a serra de Monchique que realmente é extenuante. Encontrei dois trekkers que faziam a rota em sentido contrário ao recomendado optando por trocar subidas mais agressivas por descidas mais agressivas.</div>
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As dores musculares serão inevitáveis sendo que nesta caminhada me surgiram em locais onde nunca tinha tido, com intensidade bastante aguda. Nomeadamente na zona articular frontal do pé, na zona da canela, provavelmente devido ao esforço em declives pouco habituais. Pelo que será uma zona a fortalecerem com treino para evitarem mazelas e diminuírem necessidade de gestão de dores.<br />
<br />
O tipo de piso é maioritariamente terra rija ou rocha recortada, normalmente em caminho com dois metros de largura utilizada para acessos a exploração florestal e apagar de fogos. Existe muita pedra solta que cortam a estabilidade do pé, em alguns locais gravilha profunda. Só uma pequena parte será em via asfaltada ou trilhos apertados. </div>
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Quanto a transportes usei um mix de <a href="http://www.rede-expressos.pt/" target="_blank">Rede Expressos</a> e <a href="http://eva-bus.com/" target="_blank">EVA</a>. Para chegar a Alcoutim a melhor opção a que cheguei foi apanhar o expresso para Beja e daí um transporte EVA que sai às 6ªs às 13h45m. Em Beja a 200 metros da estação têm um restaurante vegetariano "Sabores do Campo" onde dá para almoçar entre viagens. A alternativa à viagem seria ir ter a Vila Real de Santo António, via autocarro ou comboio, e daí apanhar o transporte EVA que sai diariamente às 17h e picos.</div>
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Para além da primeira noite em Alcoutim não fiz qualquer reserva de alojamento, à chegada sondava o local e fazia a escolha de onde dormir. Levei também comigo um colchão e saco-cama para o caso de ser necessário pernoitar pelo caminho. Nunca aconteceu, ainda bem pois as noites são orvalhadas e sem um abrigo ficar-se-à encharcado. Existem nas aldeias alguns pontos onde seria possível pernoitar abrigado, paragens de autocarro, zonas de tanques de lavagem de roupa, etc. O alojamento local não tem grande capacidade, se houverem grupos grandes a caminhar podem realmente lotar pelo que o telefonema no dia anterior dará alguma paz de espírito aos que não lidam bem com imprevistos. A maioria dos alojamentos foi remodelado com fundos europeus e tem boas condições. O custo médio de dormida para um caminhante será de 30 €, para dois será de 20 €. Muitos oferecem pequeno-almoço. Se não os tomarem por saírem mais cedo podem pedir o farnel ao jantar para levar no dia seguinte. </div>
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Em termos de refeições o custo médio será de 10 €, para os vegetarianos como eu é bastante limitado pois em alguns pontos julgam que peixe faz parte da dieta, além de não terem flexibilidade para fugir às omeletes e tradicionais acompanhamentos de arroz, batata frita e salada mista.</div>
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Um ponto muito importante é o de suporte de meios de pagamento. Devido às taxas cobradas vários dos restaurantes, mercearias e mesmo alojamentos não permitem pagamento multibanco. Ou seja é necessário andar com dinheiro suficiente em carteira para pagar todas as necessidades. Depois de Alcoutim só no Cachopo volta a existir multibanco!</div>
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Por vezes vão chegar às localidades a horas, ou dias, em que as mercearias estão fechadas, só existe restauração. Acabei várias vezes por fazer as compras do farnel para o dia seguinte nos restaurantes onde jantava.</div>
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Em grande parte do percurso não há qualquer suporte de dados e em alguns locais nem sequer rede de comunicação por telemóvel. Pelo que estejam preparados para longos períodos em modo offline.</div>
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Os algarvios destas localidades tratam toda a gente por tu e gostam bastante de conversar com gente nova pelo que estejam preparados para retribuir à altura. Normalmente só passam por aqui estrangeiros pelo que um português é sempre novidade e refrescante para eles. Se alguns aldeões fugirem para dentro de casa ao ver-vos não se preocupem, não é nada pessoal, têm indicação da GNR para não dar conversa a estranhos a fim de evitar burlas.</div>
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Quanto a marcações 90% do caminho está em condições excelente, depois em alguns pontos houve alteração/eliminação de marcações devido a crescimento vegetação, vandalismo ou acção humana como obras, cortes de árvores, etc. Para esses momentos de dúvida, que podem surgir quando temos menos forças para sondar o terreno em redor, será útil levar o trilho em formato GPX para acesso em apps como o GPX Viewer.</div>
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<h3>
Pessoas</h3>
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Como sabem os bons trekkers a
caminhada é apenas parte da experiência, a outra parte importante é
cruzarmo-nos e socializar com outras pessoas partilhando histórias e
opiniões. Pelo que vi nos guestbooks neste percurso mais de 90% dos caminhantes serão estrangeiros, a maioria acima dos 50 anos, cruzei-me com vários tipos. Vários deles arranhavam o português e apesar de ser mais fluido ter uma conversa em inglês preferiam mesmo ter uma conversa básica em português para aperfeiçoar o seu conhecimento da nossa língua. Para minha memória futura partilho alguns dos conhecimentos travados.</div>
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Logo no primeiro dia na paragem intermédia em Mértola para apanhar autocarro de ligação a Alcoutim conheço Mark, britânico dos seus 50s, que diz fazer vida de backpacking desde 1994! Quanto tinha 26 anos fez uma viagem à Ásia onde se apercebeu que poderia viver como um rei com muito pouco dinheiro. Ao retornar ao Reino Unido passou a fazer uma vida de poupança, era micro-biologista responsável por laboratórios de controlo de qualidade de comida de grandes marcas, foi vendendo tudo o que tinha, casa, carro, ficando a viver com a mãe. Conseguiu amealhar uma boa maquia que multiplicou com investimentos imobiliários e posteriormente investimentos em bolsa até conseguir viver apenas dos rendimentos. Durante dois ou três meses investe e multiplica poupanças o restante do tempo percorrer países em backpack. Os seus pertences materiais eram o trolley e uma caixa de cartão em casa da mãe. Adorou Portugal, estava cá há dois meses percorrendo a linha interior usando transportes interurbanos sem nada planeado. O seu plano para o futuro é alistar-se como voluntário num <a href="https://www.mercyships.org/" target="_blank">Mercy Ship</a> e assim ajudar e conhecer mais mundo. Procura um país ideal para poder viver como um rei quando não tiver pedalada para mais viagens.</div>
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Pelo caminho apanhei em noites intercaladas um bando de trekkers alemães, suecos, e holandeses que faziam só caminhadas curtas, de 15 km, sem carga, tendo transportes para o restante. Tratavam-me como o super-português que fazia o que segundo eles a idade já não lhes permitia.</div>
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Em Alte apanhei um casal de Holandeses nos seus 50s que percorriam Portugal há um mês, tinham vindo pelo Alentejo e entrado na Via Algarviana. Faziam uns 20 kms por dia. Conversa puxa conversa e revelaram-se grandes empresários. Detinham uma companhia de transportes internacionais com uma frota de perto de 500 camiões, uma vez por mês para 'desintoxicar' de toda a pressão inerente à gestão da empresa faziam caminhadas imersivas desconectado do seu mundo. Tinham também uma filosofia de vida holística tendo adquirido uma igreja secular que recuperaram e transformaram num centro de actividades vocacionadas para o desenvolvimento espiritual. Acharam o nosso país fenomenal e não perceberam porque tantos portugueses se queixavam da vida ao longo da sua viagem. Esclareci-os com alguns indicadores, o nosso salário médio, salário mínimo, quantos ganhavam esse salário mínimo, etc e tal e ficaram estupefactos. Depois expliquei-lhes também a origem pecaminosa do fado deixando-os divertidos. Era um casal muito boa onda, foi um bom jantar a seu lado.<br />
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A uns 8 km de chegar a Silves apanhei um Holandês de 20 e poucos anos que fazia a via Algarviana no sentido contrário. Trazia tenda consigo tendo a flexibilidade de pernoitar em qualquer ponto. Estivemos meia hora na galhofa a trocar dicas sobre os caminhos futuros. Só tinha consigo garrafas para um litro de água, dizia que as enchia pelo caminho. Estava já todo ressequido e tinha 10 km até à fonte de água mais próxima. Avisei-o de que dali para a frente a água não era propriamente potável e dei-lhe meio litro de água, aliviando meio quilo de peso, já que me faltavam duas horas de caminho e a ele provavelmente umas seis.<br />
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Em Barão de São João uma senhora mete-se comigo em português, pensei que tivesse uns 60 e picos, tinha 73, holandesa, vivia cá há 20 e tal anos. Queria rodar o português, disse-me que o caminho que eu ia fazer no dia seguinte era muito bonito e que ela própria o fazia de vez em quando porque eram só umas 4 horas de caminhada.</div>
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Por fim quando me arrastava entre o Cabo de São Vicente e Sagres sinto uma passada fortíssima atrás de mim, uma alemã robusta, de 50 e picos, que também ia para Sagres, juntou-se a mim e fomos falando o que me fez esquecer a falência física em que me encontrava. Tinha tido uma carreira ao mais alto nível como controladora financeira de um grande grupo alemão, até que há poucos anos achou que isso lhe estava a roubar o tempo de vida, devido à responsabilidade e disponibilidade exigida. Deixou esse emprego conseguindo mesmo assim uma posição confortável como auditora externa para trabalhos ocasionais. Visitou Sintra onde por acaso viu a brochura da rota no Alentejo, 260 km que partem de Santiago do Cacém com junção da rota histórica e da rota de costa Vicentina. Nunca tinha feito trekking na vida, arriscou. Adorou a experiência e diz que vai voltar para fazer a rota Algarviana pois perdeu-se tendo ido parar a Marmelete tendo gostado muito da zona apesar da maior dificuldade do percurso. Ficou maravilhada com a hospitalidade dos portugueses tendo-se entendido às mil maravilhas até com os seus anfitriões que não falavam inglês. Dei-lhe dois xicorações de despedida pela companhia e alívio que me fez aos kilómetros finais, deixei-a na paragem para Lagos e segui para a praia.</div>
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Posto estas dicas e partilha de experiências sigo agora para a caminhada em si que é o que interessará mais aos que projectam fazer esta grande rota.</div>
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Dia 1 - Alcoutim - Balurcos - Furnazinhas = 40 km</h3>
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Em Alcoutim o telemóvel transita entre rede espanhola, rede portuguesa e sem rede o que baralha o relógio do telemóvel pois se estava na rede espanhola e perde a rede é essa a hora que fica como hora de referência. Tenham isso em conta quando forem acertas os despertadores e fazer o sector 1.</div>
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Os primeiros 24 km são sobretudo em curvas, mais do que em declives. Fi-los em 5 horas, chegado a Balurcos foi preciso andar mais 1 km, para trás, para ir ter ao restaurante. Uma vez aí apercebi-me que por estrada Alcoutim estava a apenas 7 km! Pelo que se por algum motivo necessitarem de encurtar dias podem perfeitamente fazer esses 7 km e depois o sector 2. O tipo de paisagem perdida no sector 1 vão tê-la nos próximos sectores.</div>
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Depois de almoçado ainda era cedo, estava com força e Balurcos não tinha nada para oferecer pelo que apesar de não previsto decidi fazer o sector 2 que é fácil. </div>
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Nas Furnazinhas só existe uma oferta de alojamento e restauração, ao que percebi existem quartos individuais e camas tipo hostel, pediu-me 50 € para alojamento, jantar e pequeno-almoço. Como não aceitava multibanco não tinha esse dinheiro comigo... bem conversado consegui cortar o preço consideravelmente e ter o problema resolvido. O Sr. João e a dona Olívia são muito simpáticos e acompanham todo o jantar com uma boa converseta tornando a estadia muito acolhedora.</div>
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<h3>
Dia 2 - Furnazinhas - Vaqueiros - Cachopo = 35 km</h3>
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Mais uma vez não era este o plano inicial mas só em Cachopo existia multibanco pelo que tive de juntar estes sectores pois já não tinha dinheiro suficiente comigo para jantar nem dormir. A única dificuldade foi mesmo a longa extensão em que se transformou o dia. </div>
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Vaqueiros é uma vila simpática, descansei quase 2 horas na sombra da paragem de autocarro junto à igreja no topo da qual existe um ninho de cegonhas. Têm também piscinas municipais pelo que para quem pernoite pode aí realizar uma descompressão.<br />
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Existe um alojamento 4 km antes de chegar a Cachopo, eu pernoitei mesmo em Cachopo em quartos disponibilizados pelo restaurante "Retiro dos Caçadores". A dona Olímpia e seu marido fizeram questão me fazer companhia ao jantar falando sobre os velhos tempos e os novos tempos daquela zona.</div>
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Dia 3 - Cachopo - Barranco do Velho = 30 km</h3>
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Neste dia sente-se o impacto dos declives constantes sendo o primeiro dia mais exigente do ponto de vista físico e mental. As curvas, contra-curvas e declives tornam difícil estimar tempo e distância por observação e por vezes parece que fizemos o dobro ou o triplo do que realmente fizemos.</div>
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Logo à saída de Cachopo, quando nos deparamos com a estrada nacional, saí do trilho sem perceber como, para reentrar nele atravessei um parque de merendas que ao fundo tinha um trilho estreito que ia ter ao trilho marcado.</div>
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Quando chegarem à ribeira de Odeleite, não há que enganar pois a sua largura é de vários metros, o trilho parece desaparecer, basicamente a partir da tabuleta que indica para atravessar a ribeira há que ir para a direita, o objectivo é uma subida enorme do outro lado. São uns 2 km de declive inclinado que devo ter feito numa hora...</div>
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A pensão "Tia Bina" é também um restaurante de muito boa qualidade, havia um grupo de trekkers estrangeiros a ter orgasmos gastronómicos, a mim desenrascaram-me uma massa vegetariana que me encheu as medidas e tinham uma mousse de chocolate do outro mundo.</div>
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Dia 4 - Barranco do Velho - Salir - Alte = 30 km</h3>
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Já tinha previsto unir estes dois sectores pois são de grau reduzido de dificuldade. O caminho faz-se bem e o sector 6 tem zonas muito bonitas. Considerei o sector 7 como um dos com mais presença humana, que se estranha depois de tantos kms a caminhar com sensação de isolamento, pelo que se ponderarem cortar este troço podem em Salir apanhar um transporte para Alte onde existe uma zona balnear espectacular, com piscina de água de nascente, que podem usufruir livremente. Poupam um dia e usufruem deste espaço.<br />
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Mesmo antes de Alte há um local onde fica confuso para onde é o trilho, induz mesmo em circulo, o caminho é subir a serra em frente com piso de gravilha branca. Há depois uma parte de trilho apertado que parece entrar em mato denso, é mesmo por aí, a vegetação é que é vigorosa e cobriu o trilho por não ter a intensidade de utilização que o impeça. Em algumas zonas usei o bastão quase como catana para afastar o mato.</div>
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Em Alte não dá para fugir ao hotel, ainda a 2 km da chegada a Alte, que tem também um muito bom restaurante "A Cataplana" com opções vegetarianas. Para se abastecerem podem no caminho para lá sair do trilho marcado e virar à esquerda na Igreja para passar por um mini-mercado que fica a quase 1 km do hotel pelo que se forem directos para o hotel vão ter de penar para voltar atrás...</div>
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Dia 5 - Alte - São Bartolomeu de Messines = 20 km</h3>
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Depois da estafa dos dias anteriores este seria o meu dia de descanso. É uma caminhada tranquila. Depois de algumas perguntas aos locais o alojamento escolhido foi o "Casa Bartolomeu" que é mais caro do que as pensões mas com muito mais qualidade para além de ter restaurante de boa qualidade.</div>
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Existem mercearias locais mas à saída, seguindo o trilho, a 1 km da Casa Bartolomeu existe um Intermarché que podem preferir.</div>
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Dia 6 - São Bartolomeu de Messines - Silves = 30 km</h3>
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Os próximos 3 dias são a verdadeira provação desta rota. Iniciando-se com o caminho para Silves. Existe uma intensificação acentuada dos declives que têm impacto directo no corpo com cansaço acumulado dos dias anteriores. Com a agravante de uma vez chegados a Silves termos de andar 2 km fora da rota, em direcção ao centro de Silves onde se encontram os alojamentos. Eu estava estafado, eram umas 19h, chovia pelo que me arrastei até ao hotel mais perto, o "Colina dos Mouros". Pelo caminho abasteci-me no Lidl. De noite recomendo-vos jantar no "Taberna Almedina" que tem bom ambiente, boa comida e também opções vegetarianas.</div>
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Provavelmente se usarem uma das apps Booking ou Airbnb existem opções de alojamento mais baratas, tentem investigar isso no dia anterior tendo sempre em conta a localização.<br />
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Atenção que quando estão a fazer os 10 km ao largo da reserva de água vai haver um ponto em que dois cães vos vão 'atacar'. São de uma das casas junto ao trilho, não existe escapatória, ou se avança ou se recua ou se espera que apareça o dono para resolver. São cães de uns 25 kg cada bastante atrevidos. Caminhei de marcha atrás usando os bastões cruzados para servir de barreira e chegaram-se a um dedo dos mesmos a ladrar/rosnar.</div>
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Dia 7 - Silves - Monchique = 30 km</h3>
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Mentalmente estava preparado para uma pausa pois deitei-me com chuva intensa e as previsões eram de trovoadas para o dia seguinte. Inesperadamente ao acordar não chovia, as previsões eram de apenas duas horas de chuva, uma de manhã outra ao final da tarde, pelo que me fiz à estrada. Parti às 08h chegando ao destino apenas às 19h. Foi o dia mais longo sendo também um dos mais agradáveis, mais não seja porque existe um contraste de paisagem em relação aos dias anteriores com bastante vegetação e pequenos cursos de água. Finalmente existe sombra e protecção de chuva! O mais complicado deste dia são os últimos 10 km que são uma desgastante subida interminável.</div>
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Mesmo antes de se iniciar a subida o trilho fica confuso pelo que quando chegarem a um ponto em que estão em trilho estreito com uma marcação numa casa abandonada devem seguir para a esquerda, atravessando um riacho, entrando em mata densa que esconde a próxima marcação. Saberão que estão no caminho errado se começarem a ver várias casas abandonadas até irem ter a uma com uma ponte em arco sobre o riacho. Voltem para trás que explorei o seguir em frente e as condições não eram as melhores.</div>
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Cuidado no topo da Picota, tinha botas enlameadas, as rochas estavam húmidas, escorreguei não me aleijando por sorte, partindo um dos bastões no processo. Também aí o trilho desaparece. Só têm de sair da picota pelo lado inverso em que a subiram e o trilho acaba por surgir.</div>
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Dia 8 - Monchique - Marmelete = 15 km</h3>
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Pensei que fosse uma caminhada de descompressão mas tirem essa ideia da cabeça. Há muita subida e descida para tão curta distância, ao ponto de ter de arranjar um cajado de eucalipto para substituir o bastão que tinha partido para aliviar a pressão sobre as pernas.<br />
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O Restaurante "Sol da Terra" oferece quartos porreiros sendo que ficam nas traseiras da taberna podendo ser algo barulhento, depende da bebedeira dos clientes. Se forem muito sensíveis a barulho para conseguir adormecer tentem a casa de acolhimento do povo que é gerida pela dona do restaurante que fica em frente à caixa multibanco. </div>
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Dia 9 - Monchique - Bensafrim - Barão São João = 35 km</h3>
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Aqui o desafio é sobretudo a extensão, de resto a caminhada é tranquila sem grandes declives acentuados. Existe muita água que por vezes inunda o trilho, só numa das vezes tive de recorrer ao clássico atirar as botas para o outro lado e atravessar de pés descalços. O caudal dependerá das chuvas existindo potencial para muita lama e zonas mais aquáticas que terrenas.</div>
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Cuidado para não enveredarem pela ligação a Aljezur, cruzei-me com uma trekker que vinha de lá e se enganou indo parar a Marmelete. As marcações são idênticas, o crucial são os pontos com tabuletas e indicação no número de grande rota.</div>
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Chegado a Bensafrim não existia alojamento disponível, só a kms para trás, mesmo restaurantes só churrasqueira que para mim vale zero, pelo que depois de falar com uns locais segui em frente para Barão de São João onde existe mais alojamento. Era esticar o dia encolhendo o próximo.</div>
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Barão de São João é uma aldeia muito peculiar com grande influência de estrangeiros imigrados, manifestações de arte nas ruas, dois bares/restaurantes de grande nível, acabei por me sentir afortunado por ser forçado a mais uma hora de caminhada e assim poder conhecer melhor este local.</div>
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Se optarem por fazer isto então escusam de seguir a rota ao entrar em Bensafrim, fazendo um U de 1 km na vila, podem cortar logo para seguir caminho, ou então no topo, junto ao mercado municipal perguntam direcções para seguir por um caminho paralelo que é capaz de poupar 1 km.</div>
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Dia 10 - Barão São João - Vila do Bispo = 25 km</h3>
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Metade do caminho atravessa uma mata nacional com árvores e sombra, a outra metade é reserva natural com vegetação rasteira, num percurso bastante fácil com a motivação extra de estarmos quase no final, a aproximar-nos do mar.</div>
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Quando chegarem à rotunda da via rápida devem assim que possível cortar para a esquerda e voltar para trás em terreno de terra apesar de isso não ser muito claro.</div>
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Em Vila do Bispo o alojamento oficial é de 50 € por noite para cima, pelo que a alternativa é o Hostel on the Hill que fica na Raposeira, 5 km antes, ou optar por usar o Booking ou Airbnb para obter em Vila do Bispo um quarto em particular por metade do preço. Depende de como queiram que seja o último dia.</div>
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Existe um Lidl em Vila do Bispo.</div>
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Aproveitem para usar as apps para reservar a noite de Sagres.</div>
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<h3>
Dia 11 - Vila do Bispo - Cabo São Vicente - Sagres = 22 km</h3>
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Atenção, a partir de Vila de Bispo existem duas rotas para o Cabo de São Vicente, a da via Algarviana com 17 km e a da costa Vicentina com 14 km. A nossa é a que volta para trás e passa pelo Lidl em estrada de terra paralela à estrada asfaltada.</div>
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Agora o fim está ali ao alcance de umas horas! Pois, mas com os kms acumulados nas pernas e a cabeça a pensar que já está o mais certo é acontecer algo perto da meta que obrigue a superação adicional. Foi o que me aconteceu quando parecia canja, uma dor incapacitante vinda do nada que me deu algum trabalho a perceber como atenuar. O caminho é praticamente plano, à torreira do sol, talvez porque o corpo foi educado nos últimos dias para lidar com declives de subida e/ou descida, de repente, quando deveria ser mais fácil, parece que não sabe lidar tão bem com longas distâncias em terreno plano que exigem outro tipo de competências musculares e articulares. </div>
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Uma vez dominada a dor, após um último esforço, chegamos ao Cabo de São Vicente, ponto de encontro de vários trekkers que vêm também da rota que parte de Santiago do Cacém com 260 km. É encher a vista de mar, descansar, e decidir o que fazer agora para chegar a Sagres.</div>
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Existem três hipóteses. Apanhar um autocarro diário que parte às 11h55m e 15h05m, conseguir uma boleia ou andar 6 km até ao centro. Tinha chegado ao meio-dia não me apetecendo esperar pelo autocarro, os carros são na sua maioria alugados por turista sem espaço para trekkers e suas tralhas pelo que acabei por andar em companhia de outra trekker. Chegando a Sagres é ir directos para a praia, mergulhar directamente no mar, desfrutar do local e do feito realizado!<br />
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Caso decidam palmilhar esta via espero que de alguma maneira vos tenha ajudado na preparação e que vos corra tudo bem. Deixem depois aqui feedback sobre a vossa experiência para facilitar a vida a futuros caminhantes. Boa caminhada!</div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAlueAULT83jF8gAHndDCqa4HBP5cTaj9hxjsoBxf85M-gxWaq5f-4ekcbpFrZ4IhlpgxoTEXFcGQ2j1swJBMWXDCrgZomtXUP9mnm8sxgqyf9vzaTB2oQNz_NaZX9UI369rIu0fayJwM/s1600/IMG_9044.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAlueAULT83jF8gAHndDCqa4HBP5cTaj9hxjsoBxf85M-gxWaq5f-4ekcbpFrZ4IhlpgxoTEXFcGQ2j1swJBMWXDCrgZomtXUP9mnm8sxgqyf9vzaTB2oQNz_NaZX9UI369rIu0fayJwM/s640/IMG_9044.JPG" width="640" /></a></div>
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O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-85741069428222898392017-03-26T12:05:00.002+01:002017-03-26T19:54:31.078+01:00Vidas ParticularesNo maior acelerador de partículas conhecido, o circuito da existência, são disparados a alta velocidade, em todas as direcções, milhares de milhões de fachos de partículas de vida. Dividem-se em três grupos. As partículas solitárias, que percorrem rapidamente todo o circuito sem se cruzar com nenhuma das outras. As partículas estacionadas que entendem suspender a sua rota à primeira colisão frontal, pois a inércia exige muito menos esforço que o movimento perpétuo. E por fim as partículas propulsoras.<br />
<br />
A partícula propulsora é a génese do sistema, é ela que o enriquece com a sua complexidade, tornando-o interessantíssimo de observar. A partícula propulsora tem uma dinâmica muito particular, apresenta velocidades diferentes em momentos diferentes, sendo capaz de impôr desvios não só à sua rota original como à rota de todas as partículas que dela se aproximem, conseguindo mesmo a proeza de impelir movimento renovado em partículas estacionadas. Uma partícula propulsora sente-se sobretudo atraída por partículas de natureza distinta, que a abismem, repelindo partículas de natureza demasiado similar, que se limitam a ser um seu reflexo.<br />
<br />
Sempre que uma destas vidas propulsoras se envolve com uma outra vida, ambas espiralam vagarosamente, interseccionam-se, colidem, procurando concertar um novo rumo que sirva a ambas. O ponto crucial é o momento em que se enfadam do espiralar. Aí chegadas é iniciada uma delicada negociação, que tanto se pode revelar um elegante duelo de esgrima olímpica como um sangrento duelo de espadas medievais. Os argumentos dividem-se em duas categorias. Os do sagrado coração contra os da estupidez da razão. Os idílicos e belos argumentos do coração vêem-se muitas vezes esmagados pela estupidez dos argumentos da razão, que, por muito que custe, não deixam de ter o que são. No final dá-se o embainhar de línguas estando encontradas as novas rotas de duas partículas.<br />
<br />
No final deste processo qualquer uma destas partículas se pode transformar numa solitária, estacionada ou disparar a alta velocidade em nova direcção, mantendo a sua propulsão. Com um pouco de sorte seguem paralelas, lado a lado, à mesma velocidade, tornando possível observar a olho nu o traçado das mais belas trajectórias de vida.<br />
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<a href="http://elitefon.ru/abstract/34242-serdechek-forme-linii-ogonki.svet.chyornyi-fon.html" target="_blank"><img alt="http://elitefon.ru/abstract/34242-serdechek-forme-linii-ogonki.svet.chyornyi-fon.html" border="0" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbqA9V7GFT_qTt2a9UUtOkWjA2h9j7ltBINiSXE2gxsitjAsFUdKoviJ3CLyDD3RYV1q1rOQH4Nf-L8iqULAYuFlvrjVOw2WiB-dmYkuZyuEn3DbGNT5WHnrPvSSWynTD7K1RUcLPrRwY/s400/love-particle-collision.jpg" width="400" /></a></div>
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<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-4728010009385528422016-09-07T18:21:00.000+01:002016-09-09T13:37:17.186+01:00O abismar da féRoçando o abismo encontra-se abismado um pároco ímpar, com coração vago de amor, divagando sobre um mar de vagas cheias, do mesmo sal de suas lágrimas salteadas.<br />
<br />
Agarrando a corda da batina recorda com agrado as leituras deleitadas dos escritos sagrados. Dizem os homens cultos serem escritos plenos de planos ocultos. Será que o melhor esconderijo de significados por entre palavras é a ignorância de quem as lê e delas tece juízo?<br />
<br />
São textos e discursos à época inspiradores, ainda hoje sugados por aspiradores à ascensão, que muitas vezes atingem a mera cessão. Algures pelo meio encontra-se este prior, gerindo sua dor, sendo notória a tensão da retenção dos velhos ensinamentos dos evangelhos. É uma apneia difícil pois tudo o que é inspirado mais tarde ou mais cedo terá de ser expirado. A curto, médio ou longo prazo apenas uma ínfima fracção será retida, sendo tudo o resto expelido como se nunca fora lido. Será sempre este o resultado das lições fatídicas sine qua non de qualquer vida empírica.<br />
<br />
Ele encontra-se no ponto em que o tempo deixa de existir, o tempo passa a coexistir. Dentro de sua cabeça o que aconteceu está equidistante do que acontece, do que planeia vir a acontecer, milénios separados por escassos milésimos de segundo. Se assim é na sua simples cabeça porque num Universo muito mais complexo também o passado, presente e futuro não poderão coexistir de mão dada?<br />
<br />
Ao pensar sobre de quem serão essas mãos repentinamente dá-se o advento de vento, abruptamente brumas abatem-se sobre o abade que, mostrando-se inabalável, bate pés pacificamente e abala.<br />
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<a href="https://danteswoods.com/2016/03/18/the-blessings-of-doubt/" target="_blank"><img alt="Borrowed from original post The Blessings of Doubt" border="0" height="400" src="https://danteswoods.files.wordpress.com/2016/03/fogcliff-2.jpeg?w=820" title="The Blessings of Doubt" width="298" /></a></div>
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<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-81427429669463908162015-12-31T11:29:00.001+00:002015-12-31T11:29:28.961+00:00A noite da resoluçãoHoje é noite de resolução.<br />
<br />
Na minha curta vida experimentei de tudo nesta noite. Passá-la em recato, a sós ou a dois, em alvoroço de eventos privados de poucos mas bons, rodeado de familiares e amigos, no meio de desconhecidos, na rua, sóbrio ou alcoolizado, de cabeça na lua como na última destas noites em que acabei com a cabeça na terra.<br />
<br />
Foi um baque seguido de CRACK, gritos ?e risos? polifónicos de bebedeiras a destilar baboseiras. Depois luz e som. Lembro-me de olhar para a lâmpada no topo da ambulância, perder-me embalado pelo duo azul estroboscópico secundado pela sirene estridente, pensando que aquela cúpula translúcida seria a prisão de uma bela fada que fluorescia enquanto gritava por socorro.<br />
<br />
Pudera eu mexer uma palha e teria lutado com todas as minha forças para libertar aquela magia aprisionada. Infelizmente nem uma palha sou hoje capaz de mexer. Nessa noite disse adeus à integridade da minha quinta vértebra. A subtracção de um dos elos mais fracos do corpo humano retirou-me toda a força física e a mando da ciência passei a ser catalogado de tetraplégico. (isto também com alguma certeza matemática já que 5 -1 = 4!)<br />
<br />
Há um ano, nessa noite, a minha vida mudou. Hoje apenas consigo mexer olhos e maxilar. Dependo de outros, tenho o corpo definhado num colchão e a mente confinada às rotinas, dramas e TVs hospitalares. Dizem-me para acreditar no avanço da ciência, sendo tão novo existe grande probabilidade de um dia vir a recuperar mobilidade. Só não me dão solução para o até lá. Para gerir o querer e não poder, para libertar aqueles que teimosamente me visitam. Ouço-os respirando fundo antes de entrarem altivos para me animarem com conversas de diversão, ouço-os a desabar após saírem. Peço-lhes sempre para não virem tantas vezes. Vivam as suas vidas sem este fardo que é meu e só meu. Eles fingem que não me escutam e que retiram prazer destes momentos. Assim como eu.<br />
<br />
E eis que hoje chega mais uma daquelas noites. Eu, como todos deveríamos fazer, procuro realinhar-me. Mudar, melhorar, evoluir, seguir em frente, evitando a paralisia do ser e do viver. Posso-vos confessar que cheguei à minha resolução. No passado tentei matar-me. Tentativa falhada. Simplesmente deixei de respirar. Exerci a réstia de comando que tenho sobre o meu corpo para deixar de respirar. Descobri que é impossível. Primeiro deparei-me com um ponto em que, ainda consciente, o corpo domina a mente, força a abertura máxima da boca e fossas nasais, tragando metros cúbicos de ar de uma vez só. Depois consegui domar esse instinto de sobrevivência, descobrindo que o corpo reage apagando a mente, num desmaio involuntário, durante o qual se repete o processo de inspiração compulsiva.<br />
<br />
Hoje tenho tudo preparado. Quando me servirem o copo de água a sorver, vou retê-la na boca, de forma não perceptível aos meus cuidadores. De seguida acumularei cuspo, enchendo a minha cavidade bocal com o máximo volume de líquido, imagino-me um daqueles hamsters bochechudos, ridículos de lambões que são, então susterei a respiração e canalizarei parte desse líquido para as fossas nasais. Se tudo correr bem conseguirei levar o meu corpo ao limite da falta de oxigenização, até que quando, em desespero, ele assumir o controlo, ávido por oxigénio, receberá ao invés uma dose fatal de água e saliva que decerto o/me afogarão. Como é típico desta noite dependo apenas de umas boas entradas.<br />
<br />
Pergunto-me se ouvirão falar da minha escolha num jornal sensacionalista ou se não passarei de um drama pessoal para os mais chegados. Ou pior, se acham que foi um acidente ou um homicídio, talvez devesse tê-lo discutido com alguém antes para evitar interpretações erradas.<br />
<br />
Seja como for, aqueles que leram este meu último pensar, desejo-vos uma boa noite e que a vossa resolução vos proporcione uma vida um pouco mais desafogada.<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiN0V83SihQ7N0innuUuD52m2rE0auVfxUWNF2IJwVylwwRC195IEaEKm5GbKb5AFlpEtJ7hN0RRAUzyBDbUciE2WFgY7ywPDclg4TyBdimSa-dPf3CX_w1WLuSW1bobhJS7cZwkneQJnY/s1600/man-lying-in-hospital.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="225" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiN0V83SihQ7N0innuUuD52m2rE0auVfxUWNF2IJwVylwwRC195IEaEKm5GbKb5AFlpEtJ7hN0RRAUzyBDbUciE2WFgY7ywPDclg4TyBdimSa-dPf3CX_w1WLuSW1bobhJS7cZwkneQJnY/s400/man-lying-in-hospital.jpg" width="400" /></a></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-56517986144621473482015-08-20T22:15:00.000+01:002015-08-20T22:15:33.553+01:00Tábula rasaUm novo rebento brota, virgem e fértil, do seu invólucro protector, para o mundo que o disputará insistente, frenética e intensamente durante esta nova fracção da sua eternidade. A contenda será mascarada como uma série de acasos, coincidências, acontecimentos, ora de sorte ora de infortúnio, cada um dos quais lapidar, deixando a sua marca, conquistando, pouco a pouco, todo um ser, definindo-o.<br />
<br />
Seja ou não capaz existirão tempos de paz, etapas que se confundem com meta definitiva, que farão esquecer partes importantes do percurso. Até ao início do próximo round, que obrigará à reconstrução de todo o caminho a fim de evitar o repiso dos pântanos do passado.<br />
<br />
Esse será o seu futuro e presente recorrente.<br />
<br />
Por agora não é nada. É um vazio. À mercê de forças opostas. A acolhedora luz, não invasiva, que o afaga, o escuta, o nutre. As perigosas trevas primordiais, que consigo nascem, a todo o momento o atentam, o corrompem, o corroem. Uma trabalhando de fora para dentro, a outra de dentro para fora, duas forças opostas que se encontram nele, epicentro do apocalíptico choque frontal.<br />
<br />
Sê bem-vindo e boa sorte.<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://julietadomingos.wix.com/julieta" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;" target="_blank"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYHmSZ3NpZhXuehHAIf_cvh995Ab6KcuiQ_YSKC1U2tiTPzri2vw6hiG7HNK5LXdBVbr-ixNGGBm691s7vctTDswT_kUEya7TseOyOnPTd7egNNvqGU7Jok2Wbvp8a6Cm5Q0fhGc0WKVs/s400/inocencia-vs-mal.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="http://julietadomingos.wix.com/julieta" target="_blank">Foto de Julieta Domingos</a></td></tr>
</tbody></table>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-80616750934502701212015-03-30T23:00:00.001+01:002015-03-31T10:01:42.953+01:00DesvulcanizaçãoAbrupto, de sangue demasiado quente, fluindo em imparável circulação até à súbita erupção, qual magma verbalizado, expelido por todos os poros, acumulando-se em camadas sobrecutâneas de alma carbonizada, esterilizantes de suas capacidades oral e sensorial.<br />
<br />
Transformado em vulcão inerte, inflama todo e qualquer toque, abafando com trovões pulsantes todos os dizeres que lhe eram dirigidos. Deixara de respirar passando a imolar. Nem a fotossíntese de toda uma floresta tropical seria suficiente para anular a toxicidade da sua fumigação. Apesar de vivo deixara de ser sujeito transformando-se num coiso, um coiso ao descaso.<br />
<br />
Assim existia na mais completa analgia física, emocional e espiritual, sem sentir sequer o contínuo e paciente gotejar que nele se infiltrava. Gota a gota, sendo as primeiras milhões evaporadas instantaneamente, se formaram veios trespassantes, abrindo canais de lágrimas vitais, dissolventes das toneladas de suas matérias e imatérias mortas que o mantinham prisioneiro inerte e fossilizado.<br />
<br />
Sem agitação esta delicada e zeladora liquidez engoliu-o numa lenta curtição, diluindo-lhe toda a amarguez e insalubridade, num processo que requereu uma incerta quota parte da eternidade, culminando num violente agitar de águas. Primeiro um regurgitar! Golfadas dos resquícios de carvão e lodo que bloqueavam o seu ser. Depois um despertar com um esbracejar e um violento gritar<br />
<br />
AAAAAAAARRRRRRRRRRGGGGHHHHHHHH!<br />
<br />
Ecoou a uma velocidade 4x superior ao normal gerando em seu redor um turbilhão de bolhas de oxigénio que se elevaram para a superfície. Ainda inebriado pela recém-adquirida senciência segue-as como que por instinto. E é durante essa ascensão emergente que se questiona como terá transitado de homem condenado em vulcão a homem recuperado em Aquário.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://julietadomingos.wix.com/julieta" target="_blank"><img alt="Julieta Domingos Photography" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjmcUDICL-6y118T3NoFr9hRhnXSnBOu2VzbJfoWAllThO-TI5eyl3NoxWoc1a9Ml0kV45ALE-hdlr_bkH2GAt8tN9Zc06GGngGno-GYFvyqBxo5mMAKQ7apH0ea1uon7tthPpqKh79o68/s1600/armor-down.jpg" height="261" title="Julieta Domingos Photography" width="400" /></a></div>
<br />
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-60409912231628709472015-02-22T22:35:00.001+00:002015-02-22T22:35:41.457+00:00Fragmentos de personagens e suas históriasEis Teresa. Toda a sua vida é uma inquietação. Insegura, com sobressalto ao mais
pequeno imprevisto, reage disparando argumentos histéricos aos ladrões
da sua razão e dos seus valores, Procurando protecção criou em seu redor
uma redoma que é a sua caixa-forte. Para Teresa, a única
fonte de tranquilidade é a sua profissão de vigilante nocturna. Aí Teresa é tesa.<br />
...<br />
Sempre em voga, Olga é uma advogada de sucesso, carrega de toga,
descarrega no yoga. Todas as noites se logga, estudando o que todos os
dias advoga. Sem descanso, compila as suas razões argumentando e
contra-argumentando para com os seus botões. Não tem qualquer
preocupação com o ser feliz ou infeliz. É apenas ocupada. Tão ocupada
que nem se apercebe daquilo que é para os que lhe são próximos. Uma
acusada sumariamente condenada.<br />
... <br />
Chegara o dia de Renato sair da prisão. Anos de terror temendo a violação à
bruta por parte dos outros reclusos, munidos dos seus pénis sujos e
animalescos. Finalmente Renato está livre! Incólume! Podendo agora desfrutar de
tudo isso, em qualquer estação de serviço, devidamente protegido pelo
anonimato de um glory hole.<br />
... <br />
Para Vicente cada vez mais o horizonte era um local longíquo e imperceptível. Progressivamente deixara de vislumbrar a vida com a clareza de outros
tempos. Para os outros o seu olhar tornara-se minusculo e baço. A culpa é
do par de óculos hipster que comprara há dia pois sem o saber são altamente
graduados.<br />
... <br />
Igor é o melhor técnico de suporte no mundo. Quando todos os outros
falham é ele o chamado em último recurso. Actua como que por magia. Segundos depois de falar com os
utilizadores, muitas vezes sem sequer tocar no teclado, estes confirmam
que está tudo ok e despedem-se efusivamente. É um dom natural que consigo nasceu ao qual
deram o nome de halitose crónica. <br />
...<br />
A António chamavam-no de poeta, coisa de que nunca se auto-intitularia.
Escrevia umas coisas quando elas queriam ser lidas. O seu sonho era o de
escrever um livro de tirar o fôlego a qualquer um. Uma epopeia árdua
pois sempre que a iniciava dava-se a sua imediata desinspiração. Até que
um dia decidiu deixar de ser refém das suas próprias limitações,
inspirou profundamente, sentou-se, bateu tecla atrás de tecla, as linhas
transformaram-se em parágrafos, os parágrafos em capítulos, num só
respirar escreveu todo um livro de fio a pavio, juntado-lhe ao seu final
o seu próprio falecimento. A autópsia não deixava margem para dúvidas.
"CAUSA DE ÓBITO: falta de ar"<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPUzrMbxs58cgDeVUXImtJde4T6awRg6vGuyKH-lUpjhcJUB7Gqi57z-s49ZqcPrIjN6berDNHzQlUcbH6XO70E_6ljWBazMc45Mpmc0v_FBl4arGnpEDnHoXwaWZhm7M9sao0gomDowY/s1600/silhouettes-912x340.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPUzrMbxs58cgDeVUXImtJde4T6awRg6vGuyKH-lUpjhcJUB7Gqi57z-s49ZqcPrIjN6berDNHzQlUcbH6XO70E_6ljWBazMc45Mpmc0v_FBl4arGnpEDnHoXwaWZhm7M9sao0gomDowY/s1600/silhouettes-912x340.png" height="119" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
PS - Estes pequenos perfis e/ou histórias de hipotéticas personagens resultam da compilação de alguns dos meus posts de Facebook a que achei piada particular e aqui registo para melhor partilha e referência futura. O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-64857930716209149152014-12-15T00:12:00.001+00:002023-06-17T09:59:04.548+01:00Break a LegEstaciono, saio do carro, pego nos meus pertences, nas laranjas que colhi, no bolo rei que trouxe por cortesia fecho a porta e tranco o carro. Aqui vou eu. Atravesso a estrada a caminho de mais uma visita de neto. Deparo-me com o teclado numérico. Código? Caderninho! Merda... está sempre no outro... Arrisco 1942 <enter> Nada. 1957 <enter> Nada. Bolas! Sei que é o sacana de um ano mil novecentos e troca o passo mas nunca acerto... que desnaturado... Dois putos aprochegam-se. Vocês vão entrar? Evasivos na resposta, provavelmente aplicando a regra de não falar com estranhos incutida pelos pais, atrapalham-se e bloqueiam. Vá marquem lá o código que eu entro com vocês. Digo-o numa voz amistosa. Eles marcam o código, tótós se fosse um daquele tipo de estranhos estavam tramados, a porta abre-se, entro, subo o lance de escadas e toco à campaínha.</enter></enter><br />
<br />
Preparo-me. Mais de 90 anos, praticamente cego, mouco, fractura de fémur recuperada em três meses durante os quais esteve alojado, junto com a minha avó, num lar de idosos, um monologante, contador das mesmas histórias com o mesmo pormenor todas as vezes. Basta ouvir, sorrir e pelo meio falar com a minha avó.<br /><br />Faz o mesmo de sempre. Abre a porta sem perguntar quem é. Eu silêncio. Estamos a dois palmos. Ele especado a fingir que olha para mim. Eu especado a olhar para ele. Quem está aí!? diz-me com tom autoritário. Isso devia dizer você antes de abrir a porta! Já estava a ser roubado para não se armar em forte! preocupa-me esta forma confiante como abre a porta sem saber quem é. Ôôôôôôôlha quem é ele! Olha quem é ele! num ar de surpresa agradada que rapidamente muda de registo para um Agora à hora de comer é que vens? porque apareço sempre à hora que sei ainda não ter começado a sesta e levo-lhes a sobremesa.<br />
<br />
Entro, imagino que para ele sou uma mancha negra com um travessão cinza claro no final do rosto, cumprimento a minha avó, largo as laranjas e o bolo rei. Levo sermão por levar fruta porque já não tem espaço para a guardar, está cheio de pêras e pêros que lhe trouxeram, ai Jesus que lhe dou cabo da organização! Por fim decide-se a guardá-las na gaveta do frigorífico, que está vazia... Eu atiro-me ao bolo. Um bolo!? Sabes bem que eu não posso comê-lo! Não come você como eu e a avó, não se preocupe! Saco de uma faca, corto uma fatia como deve de ser para mim, levo-a à boca e caiem-me crotões de açucar para o chão. Olha para isso! O que tu estás a fazer! Essas migalhas, pá! Imediatamente volto à infância, ao tempo em que ele me perseguia com um pires atrás das minhas carcaças para não deixar cair migalhas para o chão. Sempre foi um fanático do asseio. Como terá ele visto aquilo? Açucar como será no seu mundo? Branco-luz? Um raio de luz a rasgar a minha negridão de alto a baixo?<br />
<br />
De seguida pede-me uma fatia, já que está ali lá tem de ser, mas uma pequena, uma pequena, para a minha avó anui a que seja uma grossa. E volta à sua rotina, às suas queixas, aos seus despiques com a minha avó. Que chegam a ser engraçados de tão non-sense, picuinhas, rabujentos, juro que gravados dariam uma série de humor de sucesso.<br /><br />Vou para a sala com a minha avó enquanto o meu avô arruma a cozinha às apalpadelas. Ao jeito, não o mais correcto será dizer ao alcance, dele. São os únicos momentos dela nestas visitas, até que ele chega e imagino que pronto para uma das suas histórias de vida. No entanto surpreende-me. Fala do lar, dos seus utentes/inquilinos, da equipa que deles cuidava, da direcção, do que aconteceu nestes últimos três meses. Descreve ao pormenor a dinâmica social dos que ali se encontravam, insurge-se contra os modos como tratavam alguns deles que, segundo ele, sofriam de 'doenças do cérebro', relata chocado a forma como um deles, de 99 anos, ali esteve moribundo até partir de ambulância para falecer chegado ao hospital. Sim, continua a fazê-lo no seu jeito monólogo, impeditivo da complementaridade da versão da minha avó, surdo às minhas questões/observações, mas porra! Está a falar com tal paixão e eloquência que me revejo nele. Naquela capacidade de observação detalhada, naquele sentido de justiceiro, metendo o bedelho em assuntos para o qual não é tido nem achado, naquele sangue na guelra, naquele chispar de olhos indignados! E a forma como fala, referindo-se às possantes empregadas como mulheres que vieram da Guiné, que trabalhavam no arado, a puxar bois, com uma força tremenda, que praticamente o jogavam pelos ares da cadeira para a banheira e o lavavam em duas voltas, POÇA! E eu pensando As metáforas, os adjectivos, as hipérboles, perfeito, perfeito! Os genes estão cá, os genes estão cá!<br />
<br />
Saí de lá com a certeza de que aquela queda lhe quebrou bastante mais do que a perna. Quebrou-lhe a rotina. Forçou-o a adaptar-se, a sair da sua estéril redoma protectora, desassossegou-o. No meu egoísmo dou por mim a pensar, se é este o resultado final, talvez devesse partir algo mais vezes ao ano pois, de uma estranha forma, acabou por funcionar como uma infusão de vida.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://spacecoastortho.com/femoral-fractures-treating-one-of-childhoods-most-common-bone-injuries/" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;" target="_blank"><img border="0" data-original-height="480" data-original-width="768" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPrfDNxR1rQucDhY0o9VqqwZGMONjIjT2eZaItjJ6-V3Mz_K1vMOq-T3er66kvA865xj7o6pgK-DJJ6HdN60mwXmTZ_TVH1taNSnK3QDeEBb1Xee8P8m_Xa-ECr35q8r7WgU2WumiWXTXvo22XxR_NkAxFg36ilK7dBwJqXMLidnIYN62ehsiMqqMP/w400-h250/FemurFracture-768x480.jpg.jpg" width="400" /></a></div><br /><br /></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-88081286281205572362014-12-14T00:16:00.000+00:002014-12-14T00:16:25.229+00:00Stand-up @ Estabelecimento PrisionalAlgures em 2014 surgiu-me a vontade de provocar o riso em locais onde ele habitualmente não acontece no dia-a-dia. Os locais de eleição seriam lares de idosos e/ou prisões.<br />
<br />
Por acaso do destino fui forçado a ter contacto mais directo com a realidade dos lares e percebi que são um ambiente muito específico, com utentes que apresentam notórias debilidades cognitivas, aos quais será mais adequado um tipo de entrega de humor que passe por um formato de "contador de histórias", com inclusão das vivências dos próprios já que grande parte da sua alegria consiste no partilhar as suas memórias e ter quem as escute e por elas se interesse.<br />
<br />
Por exclusão de partes sobraram as prisões. Disparei e-mails, fui contactado confirmando-se que efectivamente não existem meios e a animação cultural está dependente de voluntariado. Que é feito por desconhecidos e a espaços também por nomes conhecidos sem o publicitarem, por razões óbvias. Nunca tinham no entanto tido um formato de stand-up e acharam por bem dar-me 20 minutos da sua festa de Natal.<br />
<br />Naturalmente pedi uma visita para conhecer espaço, obter enquadramento sobre a plateia e ter orientações sobre conteúdos possíveis. Iriam ser 200 e tal presos da ala mais 'sensível'. Com uma concentração assinalável de presos detidos por crimes sexuais, alguns dos quais duros e deveras perturbadores. Eu próprio pedi a revisão dos textos/piadas que pensava fazer para o ajustar se assim fosse necessário, evitando provocar um estado de sítio na sala.<br />
<br />Sou franco, quando pensei em reclusos pensei-o genericamente, homens presos anos, privados da sua liberdade, em tensão constante e ambiente pesado. Poderiam existir alguns casos mais escabrosos mas nunca me ocorreu uma concentração no mesmo local dos condenados pelo mesmo tipo de crime em todo o país. E fiquei a pensar, fará isto sentido? Homens que fizeram aquilo que fizeram terão direito a estes 'mimos', a esta consideração? Justificam o meu esforço e tempo que poderia ser aplicado em qualquer outra acção?<br />
<br />E quando me meto a pensar a fundo está tudo estragado porque extirpo o lado emocional, o humor que alguns chamam de parvoíce inata, e fico uma besta racional.<br />
<br />Assim de repente a comparação imediata é o porquê ajudar/fazer rir reclusos e não crianças ou idosos? No final chego à conclusão que em todos os casos o argumento decisivo é o mesmo. Uma fé ou uma aposta arriscada na participação de um movimento benigno de transformação, de causa/efeito que por algum acaso do destino toque alguns ao ponto de provocar clicks impulsionadores de mudança.<br />
<br />
O nível de risco de desperdício do investimento de uma acção de apoio fortuita é o mesmo para uma criança, um idoso, um recluso. <br />
<br />Uma criança não tem praticamente passado, tem um futuro que será definido pelo seu dia-a-dia, pelo seu ambiente e rede social e familiar. O que conhecemos da criança que ajudamos? Pouco. O que sabemos das crianças que ajudámos no passado? Que adolescentes ou adultos se tornaram? Nada. No entanto ao ajudar crianças cremos que de alguma forma estamos a contribuir para um seu futuro melhor.<br />
<br />Um idoso por outro lado tem um enorme passado que no entanto na maioria das vezes é pouco ou nada conhecido. Um idoso é um ser físico, marcado pelo tempo, crendo nós que seja lá qual tenha sido o seu passado o peso do tempo se encarregou de aplicar a sua justiça. O aproximar do fim de vida é um atenuante enorme. A um idoso procura proporcionar-se um bom presente mesmo que fazendo uso de um perdão por omissão.<br />
<br />
Um recluso está no meio, já foi criança, talvez até alvo de apoios nessa altura, tem um passado onde terá praticado actos ílicitos e/ou deploráveis, é agora um homem com meio futuro à sua frente até se tornar um idoso. O que está aqui em jogo é esse tempo intermédio, onde voltará a ser inserido na sociedade. A aposta a fazer é acreditar que é possível que o homem que errou não seja o homem que sai da prisão. E construir momentos/fundações que sirvam de pedras no caminho a essa transformação.<br />
<br />
<br />
<br />
Imbuído desse espírito iniciei a preparação. 3 Rounds de revisão e mais de metade do texto a ter de ser substituído. Piadas fortes a serem eliminadas meramente por usarem palavras que podiam ser conotadas com sexualidade de forma demasiado ordinária. Ao ponto de após a 2ª revisão exasperar explicando que teriam de tentar retirar alguma carga à leitura crua do texto porque a minha persona ia suavizar a entrega sendo a persona o elemento chave do humor. Suplicando para me deixarem ter um determinado conjunto de piadas levemente sexuais/machistas porque eram as únicas referências comuns da plateia. Sim, são reclusos, mas para mim, por profissionalismo, são uma plateia que tenho de fazer rir, que tenho de agarrar pelo que apesar do desconforto tenho de ter algumas armas, caso contrário faço um texto de piadas eruditas que vão passar completamente ao lado. Estiquei-me e chego a dizer que não percebo como podem também fazer uma blindagem tão grande e tornar tão tabu algo que na sociedade está omnipresente. Se têm de ser reabilitados teriam de aprender a lidar com esse tipo de estímulos e não ser privados de toda e qualquer referência a sexo, sob risco de explosão descontrolada assim que voltem à sociedade.<br /><br />Finalmente tenho os 20 minutos alinhados 48h antes da actuação. Na noite anterior invisto com 3x ensaios totais que repito no dia ao conduzir a caminho do trabalho e mesmo em cima da hora ao conduzir do trabalho para o estabelecimento prisional. Chego 1/2 hora antes de ir a palco. Uma curiosa, e corajosa, amiga recente esperava-me, avançamos, já pensavam que eu não ia aparecer, passamos os portões, entramos no salão de festas, composto com os 200 e picos reclusos, actuava uma cantora de música ligeira. Começo a observar sala, condições de palco, som e perguntam-me se estou nervoso. Sim, estou nervoso, não pelo espaço ou reclusos, faz parte ter cagufa de que nada funcione. Vejo que pensam ser pelos reclusos, não faz mal. Dizem-me que vão actuar uns fadistas antes de mim. Tudo bem, mais tempo para sentir a sala. <br /><br />Quando se aproxima o final do momento de fados peço para falar com o MC, um senhor talvez septuagenário com ar de marialva bem-disposto e bom vivant. Apresentam-me como o comediante que vai fazer 20 minutos de stand-up. Imediatamente responde "20!? Não! Stand-up no máximo 10 minutos!" Quem comigo combinou o evento tenta negociar ao que ele diz algo parecido a "Eu é que sei, eu é que estou a gerir o evento. Olhe que de stand-up percebo eu que já o fiz muita vez, com o Nilton e ..." (disse mais uns nomes que esqueci por já estar vidrado)<br />
<br />Por dentro fervia, dizerem-nos a 5 mnts de entrar que temos de cortar o texto para metade é o Armageddon de um comediante, sobretudo para mim que tenho o fetiche das transições para tornar tudo uma conversa continuada e encadeada. Tive de me controlar e repetir para mim mesmo: "O MC é rei, o MC é rei" ele é que gere o show, temos de respeitar e deixar as tricas para bastidores. Mesmo assim intervi e pedi-lhe para fazer uns 15 minutos e terminar com 3 de um poema. Não sei como estava o meu olhar e postura, sei que ele se vira para mim e me diz para ter calma que estamos ali a falar a bem como dois 'artistas', eu que lhe desse o meu contacto que ele depois arranjava-me uns trabalhos. Passei-me um bocado e disse-lhe algo muito parecido a "Não se preocupe que ainda não faço disto ganha pão, faço-o por gosto. Fazemos assim se você achar que tenho qualidade faz-me o convite no final porque estar assim a dar-me um cheque em branco não faz nenhum sentido, não acha?" Já não sei se jocoso se sentido diz-me "Já vi que temos aqui artista!" Eu já só queria serenar 2 minutos antes de subir a palco e pedi-lhe apenas para me chamar com 2x frases específicas sff, para eu pegar a partir daí para as primeiras piadas.<br />
<br />
Descompressão. Reforçar cortes de última hora e pontes para tapar buracos. E eis que chega o meu momento. E o que me faz o MC profissional? Desce do palco, vai para junto da primeira fila (afastada 2m ou 3m) e chama-me simplesmente pelo nome, chegado lá pergunta-me em ON se quero fazer ali em baixo ou no palco (onde estiveram todos os artistas anteriores)... e lá vamos ambos lado a lado a subir as escadas para me fazer a passagem de micro. <br /><br />A partir daqui foi pé no acelerador da intensidade para tirar o ambiente fado da tola, na primeira piada o micro faz uma ressonância brutal (que o bom técnico de som anula e calibra em 1 ou 2 s) que integro de imediato na piada repetindo-a uma 2x e perguntando porque ele não fez a ressonância novamente !? Ah... foi sem querer!? Pensava que ia ter efeitos sonoros à maneira! E com esta parvoíce 1/3 da sala fica ganha, 2x bits fortes 3/4 da sala ganha e eis que chego ao tease com piadas sobre Benfica. Ui, falar mal do SLB!? Um grupo de uns 8 começa a mandar bocas e o caraças. Estão identificados os hecklers da sala. Claro que neste ambiente não posso 'atacar' pelo que montei piadas de defesa em que ao me defender das acusações mostrava na verdade ser mais benfiquista do que eles. Hecklers anulados. Até que... digo simplesmente "Nunca vi um preto com uma tatuagem como deve de ser!" apontando para o meu tom de pele (estando propositadamente de t-shirt). Imediatamente 3x pretos/negros/pessoas de cor, escolham, protestam com o meu suposto racismo e saiem da sala sem ouvir mais nada. Vejo comoção espeto imediatamente com a piada de ridicularização dos skins para equilibrar a balança. Paz novamente. Ufa. Sigo com uns altos e baixos acabando em grande como mandam as regras.<br /><br />Antes de terminar o segmento de stand-up o MC saira da sala para ir comer qualquer coisa, ao voltar estou a terminar o poema marcante para o contexto e a frase semente de pensamento de mudança que queria deixar. Completamente desenquadrado do que estava a fazer, sem ouvir sequer, vejo-o a dirigir-se ao técnico de som e pedir para me desligar o micro. Fuck, tenho a sala completamente focada, a sentir aquele coelho tirado da cartola, estou prestes a dar punch poética e tenho de olhar para ele, fazer sinal de 1 minuto, preocupar-me com um corte de micro. Felizmente o técnico de som fez ouvido de mercador e fiz a entrega final apesar de com um pouco menos de força. A sala aplaude mas eu quero sair dali porque mais uma vez sinto-me vidrado.<br /><br />Fiquei até ao final para ouvir dos psicólogos se acharam que a entrega foi adequada, se haveria coisas a apontar e felizmente disseram ter sido bom. Reconheceram que realmente as piadas entregues daquela forma são muito mais leves e gostaram bastante do poema que nos deixa a pensar. Descompressão total, fiz o que me competia, agradei a gregos e troianos e o mais importante é ter feito uma ponte entre o estabelecimento prisional, o formato stand-up e de poesia de autor declamada de forma intensa.<br /><br />A nível pessoal para além de uma experiência a nunca mais esquecer percebo cada vez mais que atingi naturalmente um patamar de presença e postura em palco que me permitem lidar com imprevistos, com pressão, e com reacção da plateia de forma quase imediata e natural. Em duas actuações distintas no espaço de uma semana vieram ter comigo perguntando se eu tinha improvisado uma grande parte porque tinham tido essa noção. Estas perguntas inocentes são a confirmação da boa entrega e preparação prévia pois na verdade houve muito pouco espaço para o improviso.<br /><br />PS - um mega post muito pessoal que pensei vir a ser muito mais curto, inciado como um corriqueiro de Facebook. Foi-se avolumando ao ponto de o migrar para aqui e criar uma nova categoria "Diário de Bordo" onde colocarei registos históricos de coisas que mais tarde vou querer recordar com mais detalhe.O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-61258847373446003152014-11-23T22:12:00.000+00:002014-11-24T18:23:23.153+00:00Um caso de escrita platónicaTenho duas horas para queimar. Decido jantar sozinho. Entro num restaurante e sento-me numa mesa para dois. Em redor fracassos do Cupido acompanham-se de perto, no repasto comum, enquanto fitam a paisagem de viagens mentais, percorrendo trajectos distantes sem quaisquer pontos de intersecção que não o ponto de partida, o prato escolhido para o jantar. <br />
<br />
Numa mesa um filho adolescente acompanha os pais alimentando-se de forma estranha. Não a comida em si, falo do modo como se alimenta. A forma como articula o braço para levar o garfo à boca fá-lo ferir a própria testa com as unhas da mão que agarram o talher.<br />
<br />
Bloqueio tudo isto, hoje não, hoje nada, hoje eu. Em minha frente coloco um caderno aberto em página em branco, sobre ele a única caneta que tenho comigo. Há meses. Quantos? Será que há anos? <br />
<br />
Pouso a mão sobre o caderno segurando a caneta cuja carga, translúcida pelo seu fim, miraculosamente deixa o seu/meu traço no papel ao ser arrastada pelos dedos que nela se amparam como se fosse a sua muleta.<br />
<br />
Talvez por conter um bico fino, exímio doseador de tinta permanente, tenta que eu escreva uma derradeira história de Amor. Um entrelaçar de fios condutores destinados apesar de desavindos, uma inspiração cármica que deixe os seus leitores a suspirar, confortados por comprovar que Ele existe à espera de um encontro fortuito e certeiro.<br />
<br />
Pois eu te pergunto a ti, moribunda caneta minha, quem hás tu amado e quem te terá amado? A ti que passaste uma vida de escriba, sob meu jugo, desgastando-te a meu preceito, uma vida encafuada na mochila sem nada ver para além dos cadernos de que usas e abusas a meu mando. Será a eles? Um deles? Todos eles? Terás sentido dor sempre que deles colhia as páginas, frutos do teu labor? Ou serás simplesmente apaixonada por mim por evidente complexo de Édipo?<br />
<br />
Imagino que amar sendo caneta não seja coisa fácil. Tens vida curta, sem vontade própria. Precisas de uma mão que de ti faça servidão. Talvez nas mãos fracas exerças alguma forma de dominância conseguindo escrever o que pretendes dizer. Comigo não, não seria possível. Escrevo com pulso firme e forte, terias de me domar de outra maneira que não a força. Por exemplo esculpindo a minha caligrafia com traços que não os meus, elevando-lhe a finesse estética, ou borrando-me as mãos em ejaculações grossas, esporádicas e inexplicáveis tendo em conta o teu fino recorte, ou, melhor ainda, desafiando a lógica da tua finitude escrevendo-me, escrevendo-te, escrevendo-nos, infinitamente, muito além da marca que denota o fim da tua existência física.<br />
<br />
Se realmente fosses minha amante quão triste seria para ti perceber que te esgotaste, sem oportunidade de te revelares, que num último fôlego, decidida a vencer-me, e ao consegui-lo, ao escreveres finalmente as tuas palavras, as tuas linhas, te faltassem as f<span style="color: #cccccc;">o</span>r<span style="color: #cccccc;">ç</span>as des<span style="color: #cccccc;">v</span>an<span style="color: #cccccc;">ec</span>endo <span style="color: #cccccc;">a</span>os p<span style="color: #999999;">ouc</span>os sem c<span style="color: #cccccc;">o</span>nse<span style="color: #cccccc;">gu</span>ir d<span style="color: #cccccc;">i</span>z<span style="color: #cccccc;">e</span>r-mo... Um<span style="color: #cccccc;">a</span> luta <span style="color: #cccccc;">de</span> esfor<span style="color: #cccccc;">ç</span>o acrescido p<span style="color: #cccccc;">o</span>is e<span style="color: #cccccc;">s</span>ta é uma pá<span style="color: #cccccc;">gi</span>na de um <span style="color: #cccccc;">c</span>aderno se<span style="color: #cccccc;">m</span> linhas <span style="color: #cccccc;">e o</span> <span style="color: #cccccc;">a</span>mor pauta<span style="color: #cccccc;">-se</span> p<span style="color: #cccccc;">or</span> lin<span style="color: #cccccc;">h</span>as tão tortas c<span style="color: #cccccc;">o</span>m<span style="color: #cccccc;">o as</span> de Deus. T<span style="color: #cccccc;">al</span>vez <span style="color: #999999;">por</span> i<span style="color: #cccccc;">ss</span>o <span style="color: #999999;">antes</span> <span style="color: #999999;">que</span> partas <span style="color: #999999;">quero </span>q<span style="color: #cccccc;">ue</span> saibas que <span style="color: #999999;">mais do que a partilha do que escrevemos ficam comigo</span> <span style="color: #cccccc;">as lembranças de tudo o que riscámos juntos.</span><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://middleagemaryanne.com/?p=504" target="_blank"><img alt="Hobbies from the heart" border="0" src="http://middleagemaryanne.com/wp-content/uploads/2014/02/pen_hand-264x300.gif" /></a></div>
<br />
<br />
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-76040256148841971822014-11-08T16:00:00.000+00:002014-11-09T13:41:33.448+00:00Psychopoetic wardI think I am not fit to poetry<br />
Words are like boundaries with no entry<br />
I stare at blank pages<br />
Sit there for ages<br />
It happens here, at the psychiatric ward<br />
Do not pity me<br />
It is not that hard<br />
I live in joy in a world of missing words<br />
Created by the real artists<br />
Those that are also locked in here<br />
With me<br />
Within me<br />
Casted away by those unlike me<br />
By those unlike them<br />
This ward is their kingdom<br />
This ward is my salvation<br />
And I regret it seldom<br />
Praise the lord for this divination<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.thefix.com/content/zagats-style-guide-nyc-area-psych-wards" target="_blank"><img alt="Six Psych Wards, One Woman" border="0" src="http://www.thefix.com/sites/default/files/styles/article/public/shutterstock_12801700.jpg?itok=uYJ3m9_6" height="200" width="320" /></a></div>
<br />
PS - in March 2013 I visited Dublin, one night I wen't to the International Bar where they were having song writers, performers, poets, anyone with some kind of saying going up on stage. As I was hearing their inner beauty I wrote this but never had the guts to go there and read it. Today I salvage this page and move this kind of a poem to a proper place.O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-18173866947777592972014-11-01T23:07:00.000+00:002014-11-01T23:07:18.339+00:00Descasca da Cebola83 anos e chego novamente a ti. <br />Foi num ápice que descasquei décadas de memórias e volto a dar contigo.<br />Primeiro revivi mais de 40 anos com a minha falecida, que me aguarda num pedaço de paraíso, rejubilei com o nascer e crescer dos meus pequenos, que agora são os grandes, revisitei tantos bons momentos.<br />
Depois voltei a desorientar-me com a locura do pós-ti, do pré-ela. A vida desregrada, desgarrada, sem pegas, com muitas mãos, alguns nãos ao que nos dão. Foi o trajecto que percorri para te conseguir esquecer. Porque as memórias são como as cebolas, crescem em camadas, com anéis grossos, finos e assim-assim. Criei tantos por cima do teu. Fraquinhos mas muitos, muitos, os suficientes para <br />não chegar a ti quando me punha a recordar.<br />
Só que estou velho, a velhice erode-nos, a velhice escava-nos, nós ajudamos, escavamos, escavamos, não paramos, nunca estamos satisfeitos, queremos mais e mais retrospectivas, recordações, redescobertas. Voltamos onde estivemos sem sairmos de onde estamos, o que é confortável uma vez que as pernas já não dão para o gasto. Agora eu, que nunca fui de me recordar até muito longe, cheguei a ti... depois dos milhares de km que atravessei, nunca pensei nem sonhei sê-lo capaz, deste retorno.<br />Viverás? Jazes morta algures? Eu lacrimejo, talvez demasiada cebola descascada, o ter-te desenterrado faz-me voltar a não aceitar muito bem o ter-te perdido. 83 anos e reencravo em ti. <br />Daqui não serei mais capaz de me mover. Mesmo não sabendo onde andas sei que, a ti, te levo comigo para a cova.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://idlersjournal.blogspot.pt/2012/01/someone-often-is-truly-is-worse-off.html" target="_blank"><img alt="Someone Often Is Truly Is Worse Off " border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-fAmBsP0giF4/TyNksPf6JgI/AAAAAAAABV8/qSsAvCUTjLo/s320/oldman.jpg" /></a></div>
<br />
PS - no dia dos finados decidi por piada revisitar os escritos 'enterrados' nos meus cadernos onde aponto ideias, pensamentos, parvoíces, encontrando a base deste texto que uma vez trabalhado aqui fica ressuscitado. De certa forma é o meu milagre do dia. :DO Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-29501693871605118182014-06-08T21:57:00.000+01:002014-06-08T21:57:04.714+01:00Corre por mim mas fá-lo comigo!Como nos outros dias ligam-nos a TV bem cedo, por mim nunca a apagavam, é boa para abafar os nossos "huuuunnnnnn", "sssssssssssss", "aaaaaaaah", incontroláveis e expiatórios da pressão interna causada por estes corpos estranhos que gestamos involutariamente.<br />
<br />
Pelos vistos hoje há uma corrida contra o cancro em que apelam aos atletas para correrem por nós, os doentes oncológicos, porque nós não podemos. Gozam? Correrem por mim!? Julgam que me alegro porque correm por mim uma manada de atletas saudáveis? Mesmo parado a cada segundo eu corro contra a morte, numa luta mental contra a necessidade de parar, entregar-me e finalmente descansar. Uma ultra-maratona inevitável em que tento evitar, a todo o meu custo, chegar ao ponto em que decida mudar de direcção e correr contra a vida.<br />
<br />
Não preciso que corram, que se entretenham, que vivam, por mim. Dava-me jeito, isso sim, que me arrastassem para essa corrida! Aproveitar como deve de ser as rodas desta cama hospitaleira, atá-la a correias atreladas a atletas vigorosos. Ah caraças! Como ia adorar sentir novamente o vento na fuça! Ficar-lhes-ia eternamente grato por esse carregamento, por esse momento de carroceiro arruaçeiro. Caso contrário cá continuo, imóvel, neste aborrecido sofrimento.<br />
<br />
Querem correr? Corram. Apenas não o façam por mim. Não vos pedi nem o quero. Também eu corri no meu tempo, sem motivo aparente, sem causa nem objectivo. Tivesse eu passado nessa altura pelos hoje meus colegas de quarto, acamados, conscientemente inanimados, agonizando na luta contra o cancro, e lhes gritasse em euforia do meio da rua que estava a correr por eles, porra, eram bem capaz de me mandar para o CA$#%#0! he he he<br />
<br />
Ao remoer pensamentos e memórias, praticamente a única coisa que me é físicamente possível, frequentemente matuto na última vez que comprei um par de ténis. Entrei na loja e imediatamente fui abordado por um jovem que calçava uns ténis desportivos imaculados, topo de gama da melhor marca.<br />
<br />
- "Bom dia, posso ajudá-lo?"<br />
<br />
- "Desde que não atrapalhe toda a ajuda é bem-vinda! Procuro uns ténis de corrida. Baratos."<br />
<br />
- "Baratos? Olhe que o barato sai caro. Tendo em conta a sua idade vale a pena investir um pouco mais para ter um pisar mais confortável, aumentar rendimento, evitar lesões, ..."<br />
<br />
- "Sim, barato! Quero sentir que o que tenho calçado não vale nada para o sujeitar a provações e desgastar sem dó nem piedade. Tenho para mim que uns ténis ricos e cuidados não podem ser sujeitos às agruras de trilhos mal tratados. Esses estão formatados para belas estradas ou tartãs cómodos e especializados, pisos que não fazem parte do meu caminho."<br />
<br />
- "Pelo menos considere estes com a última tecnologia relativa a micro-perfuração permitindo um melhor respirar e controlo da temperatura..." <br />
<br />
- "Oh amigo, primeiro eu respiro pelos pulmões, segundo, na minha idade sou bombardeado com informação preventiva sobre o perigo dos ossos corroídos com micro-fissuras, dos músculos destruídos por micro-rupturas e agora quer convencer-me que ténis micro-perfurados são melhores!? Macro, quero ténis macro! Com preço Makro de preferência! Como aqueles ali!? São tão baratos porquê?"<br />
<br />
- "Não lhe aconselho esses... são outlet... vêm com imperfeições de fábrica... são mesmo solução de recurso para quem não pode investir melhor."<br />
<br />
- "Ténis imperfeitos! Provavelmente produzidos por crianças ainda crianças qb e não crianças já transformadas em autómatos da perfeição. Ténis imperfeitos que encaixam na imperfeição dos trilhos que hei-de com eles palmilhar! São estes!"<br />
<br />
- "Faça-se a vontade do freguês... espero que não volte aqui a acusar-me de não me ter esforçado mais para lhe vender um produto melhor... e que pela sua saúde só esteja a pensar andar ou correr pequenos trajectos!"<br />
<br />
- "Meu jovem, já não perco tempo em pequenas corridas, espero que quando tenha a minha idade saiba que só são verdadeiramente benéficas para a saúde as corridas de longo curso que não têm retorno."<br />
<br />
E saí deixando um vendedor desapontado.<br />
<br />
Esses ténis safaram-se durante mais de 10 anos, até hoje. Aposto que esperam por mim, pelas minhas melhoras, abandonados, ainda com a gravilha cravada na sola, maquilhados com as poeiras de todos os locais palmilhados. Como seria bom tê-los agora calçados, poder vacilar, deixar-me levar, porque esses ténis, meus amigos, esses ténis já estão ensinados.<br />
<br />
Esses sim, correm por mim e fazem-no sempre comigo.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.reconnections.net/danielverse_nov-dec_2009.htm" target="_blank"><img alt="JUST STAY......" border="0" src="http://www.reconnections.net/dying_man.jpg" /></a></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-87902372361460691242014-04-24T14:32:00.000+01:002014-04-24T14:32:01.724+01:00S'enche a pançaComeçou enquanto buscava numerário no meio do dicionário<br />Ao encontrá-lo, espanto!<br />
O elemento rário emigrara para um qualquer imaginário!<br />Nume ficou<br />
Requalificado em<br />
Me<br />
Nu <br />Resultado da fusão entre um inglesismo e um corte no despesismo.<br /><br />Nem fico mal vestido apenas de fome num formato disforme.<br />Nem se nota o remendo do digestivo que me mantém o estômago furtivo!<br /><br />E tu,<br />
matreiro,<br />
que tudo decides,<br />
aí do cimo do meu telhado de zinco, <br />olhas-me tranquilo, <br />
gerindo o ponteiro até ao chá das cinco.<br /><br />Oh como é importante gerir... <br />
GERIR! <br />JE <br />
RIR <br />HA HA HA<br /><br />Rir é o melhor remédio quando não há remédio.<br />Rir é uma trapaça, um género de carapaça que nos encouraça.<br />Não se iludam pelo riso e seu belo sorriso<br />
Estejam certos que por detrás espreita um siso conciso.<br /><br />Tu ris-te...<br />
Diz-me, que esconde o teu?<br />Abre as tuas comportas de marfim,<br />
liberta a tua língua, <br />vocifera em mim tudo aquilo que te deixa à míngua<br />Tudo o que tu queres esquecer,<br />
tu procuras esquecer,<br />
tu não podes esquecer. <br />Os teus olhos não deixam.<br />
Os teus ouvidos confessam.<br />Esquecer...<br />
És<br />
que<br />
ser<br /><br />Que ser és tu quando não te deixam sê-lo?<br />Quando te plantam as ideias, <br />quando te roubam as ideias, <br />quando já não queres ter ideias.<br />Deixas a mina secar na esperança vã de que os mineiros se vão. <br />Num ápice<br />
passas de mina de diamantes a mina de carvão.<br />Aquietas-te a um canto, a pouco mais fazer, do que contar o tempo a passar...<br /><br />É o tempo dinheiro?<br />NÃO!<br />
Não se guarda em mealheiro!<br />O tempo perdido não pode ser encontrado.<br />O tempo perdido não beneficia outrém.<br />É simplesmente uma meta que fica mais aquém.<br /><br />Ei! Vejam! Além! <br />Já viram o que chove?<br />
Ou o que vai chover?<br />Já ouviram o que venta?<br />
Ou o que vai ventar?<br />Sintam-nos!<br />
São ventos de mudança de uma tempestade de mar!<br />O que vem depois?<br />
Será bonança?<br />
Será MATANÇA?<br />Que me importa a mim, se é este vento que sopra, o vento que me enche a pança?<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.nicva.org/policy-manifesto-2011/poverty" target="_blank"><img alt="Our vision is of ... no gap between rich and poor" border="0" src="http://www.nicva.org/sites/default/files/imagecache/iS-poverty600px.jpg" height="265" width="400" /></a></div>
<br />
PS - este poema resulta da adaptação de um escrito para fazer um género de estreia de Poetry Slam num evento de jantar de Natal de empresa. Aborda a temática da crise e seus efeitos colaterais. Assunto tão em voga nos últimos anos. Pareceu-me bem colocá-lo online junto da celebração dos 40 anos do 25 de Abril.O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-5177253765046282942014-04-18T15:07:00.003+01:002014-04-18T21:25:11.635+01:00Serial KillerEu, assassino em série, me confesso<br />
Aqui estou, como sou <br />
Como assim, como sou?<br />
Talvez seja melhor começar como tudo começou<br />
Como comecei<br />
Um começo espesso<br />
completamente virado do avesso<br />
E então<br />
me matei, <br />
pela primeira vez<br />
Matei-me ingénuo, inocente<br />
Tornei-me culpado, inclemente<br />
completamente diferente<br />
<br />
Sonhei o pesadelo dos outros<br />
Assinei papéis e contratos <br />
Vivi a vida de todos<br />
Olhos cegos, ouvidos moucos<br />
Até que a meio acordei <br />
e mais uma vez <br />
me matei<br />
<br />
Sim<br />
assassinei-me várias vezes<br />
mais que uma<br />
mais que duas <br />
mais que ...<br />
três?<br />
<br />
Não sei.. de contas sou meio tan-tan<br />
Direi que me mato o necessário para me manter a mente sã<br />
Tenho brio em fazer o que é preciso mantendo o sangue frio<br />
Noviço fi-lo inadvertidamente <br />
Hoje faço-o selectivamente<br />
Sou o homicida de serviço<br />
<br />
Em mim há muitos,<br />
em mim há uma legião<br />
Não estou possuído por ela<br />
Sou seu comandante, seu capitão<br />
Ela é a minha armada,<br />
bela<br />
<br />
É entre ela que eu escolho e<br />
Mato, morro<br />
Mato, morro<br />
Mato, morro<br />
trabalhando a fusão do meu interior<br />
em socorro do meu exterior <br />
<br />
Não tenho heterónimos pois todos eles são eu<br />
Cada um, um meu sinónimo, anónimo<br />
São-no à sua vez,<br />
ontem como agora<br />
Até chegar de morte a sua hora<br />
Porque por vezes há que <br />
perecer<br />
para ser<br />
<br />
Por favor não me vejam como um demo<br />
Pois também eu um dia temo, <br />
ainda que de forma tímida e íntima, <br />
vir a tornar-me a próxima vítima.<br />
<br />
Talvez por isso<br />
Eu,<br />
serial killer,<br />
vos digo<br />
com esta grosa de rimas e palavras à toa<br />
com esta prosa sem tesão de livro de Henry Miller<br />
Que quero ser menos poesia e mais Pessoa<br />
Nem que para isso tenha de <br />
até à eternidade <br />
despir-me de <br />
toda e qualquer identidade<br />
expondo-me integralmente nu <br />
NU <br />
Faria!?<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://paulosergiozerbato.blogspot.pt/2012/06/multiple-personality-disorder-multiple.html" target="_blank"><img alt="Multiple Personality Disorder (Multiple Personality Disorder - MPD) - A Arte de Paulo Sérgio Zerbato" border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjjZyflzScbK5i0EcIx4e2mfiQhTAZBObQu33rcukvWd8YM4rJU6QgkE4vIX6b46LEZbqHLZmudzGR27igwAmfv1vB6DreiG6T3hhCcaz1bjh0oJtT1UyMqaAxpet7Vae93JKp6iKji2zS/s400/Multiple+Personalities+(2).JPG" height="246" width="320" /></a></div>
<br />
PS - a ideia para este poema surgiu no dia Mundial da Poesia em que assisti a um <a href="http://www.malaposta.pt/2014/03_marco/dia_mundial_poesia.html" target="_blank">evento na Malaposta</a> onde foi declamada/interpretada parte da obra de Fernando Pessoa. Pus-me a pensar se realmente necessitaríamos de nos fazer passar por outros para passar emoções e formas de estar antagónicas. Se Pessoa tivesse sido só Pessoa e não todos os que foi a sua obra teria menos impacto? Deverá um artista criar versões de si para cada uma delas manter uma consistência homogénea em vez de se apresentar como um ser único ainda que com laivos de esquizofrenia?<br />
E que coerência temos ao longo da vida já que se a vivermos plenamente estaremos em constante mutação?<br />
E assim nasceu este texto, com um cunho pessoal final onde faço um trocadilho com o meu nome Nuno Faria, assumindo-me como alguém que mantendo a cara e o nome vai altercando o seu conteúdo.<br />
Ontem teve o seu baptismo de Slam, hoje é entregue ao mundo.O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-71608823161238170832014-03-16T21:23:00.001+00:002014-03-16T22:40:26.927+00:00Sentir o ronco<grrrrrr ... grrrrrr ... grrrrrrrr><br />
O sopro do teu ronco resmunga<br />
<br />
<grrrrrr ... grrrrrr ... sniff!><br />
O sopro do teu ronco funga<br />
<br />
Há noites em que me embala<br />
hora após hora<br />
Há dias em que me fere como se fora uma bala <br />
dá-me ganas de fazer as putas das malas e ir embora!<br />
<br />
Esse vendaval que respinga<br />
vindo das tuas entranhas<br />
esse local ébrio sem pinga<br />
tão diferente do teu ser sério, etéreo<br />
Com que cada vez mais me estranhas <br />
Com que cada vez menos me amas<br />
<br />
É este teu ar quente, eloquente, meu único alento <br />
Ao menos retira-nos o frio do calafrio, <br />
deixando-nos a sós com o silêncio deste calamento...<br />
Com esta merda de acasalamento!<br />
<br />
<grrr rronc rronc!?><br />
Shhhhhhh<br />
Mantém-te nesse teu sonhar roncador<br />
Fica para mim o desemaranhar deste tear do amor<br />
A nossa lã não é pura nem virgem <br />
Provém de meadas górdias <br />
embebidas em lágrimas<br />
esgrouviadas <br />
enleadas em escórias<br />
Escorri-as! <br />
E delas se soltaram<br />
enredos, bruxedos e outros medos<br />
Graúdos cornudos<br />
relatando pecados carnudos <br />
E eu <br />
feita camafeu <br />
endureço o rosto<br />
mostrando-me pronta para a sua afronta <br />
Capaz de provar o veneno do seu mosto<br />
<br />
Contudo<br />
perco-me na toponímia da sua ignomínia<br />
Cansada<br />
sem calo para mais, desisto e jogo tudo pelo ralo<br />
Esvai-se pelo esgoto em espiral de cristal<br />
ensonsa, sem um pingo de sal<br />
<br />
Para me tranquilizar afago-te o falo<br />
Penso mesmo em dar-te uma mamada<br />
Sentir-te no goto<br />
<br />
<huuummmmm><br />
Estamos em sintonia, tu gemes, eu quero gemada<br />
<br />
É então que me apercebo que paraste de ressonar<br />
Sinal que estás prestes a despertar <br />
Sim, já o sinto, aí te vens tu, com o teu habitual dizer<br />
"PÁRA! O QUE ME ESTÁS A FAZER!?"<br />
<br />
assim mesmo <br />
com o teu <br />
membro em riste<br />
<br />
é perpétuo<br />
é triste<br />
<br />
o finar de um ronco <br />
pelo raiar de um bronco<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://blogs.naturalnews.com/second-hand-snoring-the-silent-killer/" target="_blank"><img alt="Second-Hand Snoring: The “Silent” Killer" border="0" src="http://blogs.naturalnews.com/wp-content/uploads/2013/06/Man-Woman-Sleeping-Snoring-Upset-Angry.jpg" height="225" width="400" /></a></div>
<br />
PS - este poema escrevi-o num Domingo altamente ressacado em que precisava de mais um para o caso de passar de fase de seleção num evento de Poetry Slam. Estava um dia cinzento, chuvoso, muito pouco inspirador. Ao meu lado uma das minha cadelas dormia profundamente e dela soava um ronco. Sonoro, presente, envolvente, preenchendo o vazio da minha mente ressacada. Fez-me pensar em como diferentes roncos, ou quem sabe o mesmo em diferentes pessoas ou seres, podem provocar reacções desde o adorável ao insuportável. E assim este bronco escreveu sobre um ronco e o seu tudo ou nada.<br />
Porque escrevi esta 'origem' aqui? Porque muitas vezes ao ler um poema me pergunto sobre a sua origem e intenção do autor desejoso de o cruzar com a minha interpretação. Se és desses que questionam o mesmo aqui fica satisfeita a tua curiosidade.O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-63675767764340603292014-01-05T16:52:00.000+00:002014-01-05T16:52:02.230+00:00Danças?Podíamos ter ido a um bar dançante, onde a dança se traduz ao abanar da cabeça e a um ou outro esticar de braços e pernas quando o afrouxar do aperto da multidão assim o permita, mas não, viemos parar a um salão de dança...<br />
<br />
Aqui tudo muda de figura. Há uma banda a tocar ao vivo, a trocar olhares, a incitar ao auditório que se liberte das cadeiras e preencha a libertadora pista de dança que separa os músicos da plateia.<br />
<br />
É mais ou menos neste ponto que sou inundado por suores frios. Observo uma série de casais a assistir, elas progressivamente a serem contaminadas pelo bichinho da dança, primeiro com o pézinho a dar a dar, depois com os ombros a bascular e finalmente com os olhinhos a suplicar, direccionados para o seu par em pedido carente de "Dança comigo..."<br />
<br />
Em redor, aqui e ali, outros aguardam por quem se atreva a exibir na arena os seus passos de dança, àvidos por criticar e ridicularizar quem a isso se presta.<br />
<br />
Ainda estou a tentar perceber o cenário, onde me encaixo, quando sou surpreendido por ela.<br />
<br />
- "Anda! Vamos dançar!"<br />
<br />
Admiro-lhe a iniciativa, o saber o que quer, o não ter papas na língua, só que hoje, agora, aqui parecem-me o seu pior defeito. Cometi o erro de entrar. Agora só me resta a gestão de danos.<br />
<br />
- "Calma! Não está ninguém na pista! Queres dar espectáculo!?"<br />
- "Vá lá! Estás com vergonha de quê? De mim!?"<br />
- "De ti? Nunca..." - afagando-lhe a cara como quem tenta comprar a simpatia de uma fera - "Apenas não quero ser o bobo da festa. Tu se fôr preciso alapas-te a mim, encostando a cara ao meu peito e ali fico eu, a descoberto, qual farol no meio da neblina e solidão marítima."<br />
- "És sempre a mesma coisa. Nos poucos momentos a dois nunca queres estar comigo, fazer coisas comigo, partilhar momentos, nada!"<br />
<br />
Este é um ponto perigoso. Estou na fronteira que define se o resto das férias serão o concretizar de um sonho ou de um pesadelo. Preciso de reagir rápido e entregar-me às mãos do destino. De preferência um que me seja favorável! Inteiro-me rapidamente dos ocupantes das restantes mesas. Muitos são casais jovens com o mesmo dilema que nós. Posso eliminá-los da equação pois só terão coragem de ir à pista quando esta se tornar uma floresta de corpos, onde mais um é só mais um e não a atracção principal. Observo também vários casais nórdicos na casa dos 50s. Assumo que ali estejam só para apreciar o pagode. A música dos anos 80 que ecoa no salão não deverá ser propriamente a sua música preferida, além de que a genica já não deva ser muita a esta hora. Sobraram uns casalinhos homossexuais onde notoriamente um deles está mortinho pela dança e o outro está desconfortável em fazer demonstração pública de afecto. Vejo o cenário bem encaminhado, decido arriscar e faço-lhe uma promessa.<br />
<br />
- "Não tem nada a ver contigo, eu é que sou acanhado e desajeitado na dança. Fazemos assim, se estiverem cinco casais a dançar nós vamos. Pode ser?"<br />
- "Cinco?" - olhando em redor para as dezenas de mesas na sala - "Ok, aceito. Ai de ti que não cumpras!"<br />
<br />
Claro que aceitaria o repto, caso contrário não o teria lançado. Fiquei tranquilo e relativamente seguro de me ter safado de boa. Até ao ponto em que a música muda radicalmente. De repente, do nada, começam a tocar um famoso slow, tema do filme "Ghost" e dá-se o sururu. Assim que se soltam os primeiros acordes ouço um burburinho na sala. O mais puro gáudio, celebração do amor, recordação dos bons velhos tempos, sei lá, a P da loucura. Imediatamente saltam para a pista um, e depois outro, dos casais de meia-idade que iniciam os rodopios do costume. De uma assentada passamos do zero aos dois casais na pista. Olho para o lado e vejo-a com brilho nos olhos e sorriso a despontar.<br />
<br />
- "Toma! Dois já lá moram! Nós somos o quinto, nós somos o quinto!"<br />
- "Não! Nós somos o sexto!" - corrijo no imediato para evitar problemas mais tarde<br />
<br />
Acabo de fazer o esclarecimento do regulamento e mais dois casais juntam-se à dança. Safei-me de boa. Tenho o problema adiado e vejo a minha vida a andar para trás. Nada mais me resta do que tentar influenciar a mente dos restantes casais a fim de os pregar nas cadeiras. Não devo ser bom a fazê-lo porque rapidamente um outro casal se levanta de surdina. Juro que sinto que o tempo parou e o silêncio preenche a sala em resultado da sua ousadia.<br />
<br />
- "Uhu! Já ali está o quinto!" - interrompe ela a pausa com uma euforia desmedida<br />
- "Calma, penso que eles se estejam a ir embora." - era tão bom...<br />
<br />
Vagarosamente arrumam as cadeiras e avançam pela lateral. Só poderiam virar à direita para sairem do salão, ou à esquerda para se juntarem à animação central. A esperança é ténue mas ainda existe. Ou existiu por uma fracção de segundos. Em menos de cinco minutos a pista de dança passou de um completo vazio para um preenchimento parcial, com cinco casais de meia-idade a bambolearem-se como adolescentes das próximas gerações.<br />
<br />
- "Tu pro-me-tesssss-teeeeeeee" - uma zombaria final que me vincula a um momento de zombie dançarino<br />
- "O prometido é devido... vamos..."<br />
<br />
Falei como se estivesse perfeitamente preparado e deixei-me arrastar pelo seu contentamento. Entrámos na pista e foi como se tivesse entrado numa outra dimensão. Eu a tentar perceber o ritmo, ela solta, ondulando em sintonia, passos para aqui, passos para acolá, passos para sei lá!<br />
<br />
Olhando para o lado vejo um casal dançando como se estivesse a tocar o "Apita o Comboio", olho para o outro um casal interpreta uma valsa, mais à frente um homem abraça a parceira agarrando-lhe os glúteos como se disso dependesse a sua vida. Desespero. Não tenho qualquer ponto de referência para me inspirar na coordenação motora. Não sei o que faço para lhe chegar e agarrá-la mantendo a imagem de estar a dançar.<br />
<br />
- "Agarra-te a mim e não me largues por favor! Parece que estamos em 5 pistas de dança diferentes. Imagino o espectáculo que estamos a dar a quem está a ver de fora!"<br />
- "Ha ha ha, não andes aos saltinhos, hi hi hi, não andes tão depressa, ha ha ha"<br />
- "Tem uma graça do caraças! Anda para aqui! Escondemo-nos aqui, atrás destes que estão aos apalpões. Olha-me para isto! É cada um por si, salve-se quem puder!"<br />
- "Ha ha ha Isto está muito engraçado! hi hi hi Vá, dança assim sem me pisares."<br />
<br />
E aqui estamos a saltitar no meio destes loucos. Estranhamente mais ninguém se juntou à pista. Imagino que o nosso rídiculo foi um factor de dissuasão essencial na argumentação dos restantes machos presentes para com as suas parceiras de mesa.<br />
<br />
Durou até começarem a tocar o "New York, New York" levando ao vazar da pista. Graças a Deus. Estou ainda a recuperar o fôlego quando vejo um casal de 40s a entrar na pista e ali estarem sós nas três músicas seguintes. Como é possível que esta malta dos 40s esteja tão mais desinibida que os casais de 20s e 30s aqui presentes? Mais à vontade e sabedoria? Menos pudor e vergonha? Provavelmente só o saberei quando lá chegar.<br />
<br />
Não muito depois solta-se novo hit musical fazendo com que o bicho da dança volte a morder calcanhares.<br />
<br />
- "Gosto tanto desta! Vamos outra vez?"<br />
- "Não, não me apetece. Estou cansado. Dói-me a cabeça. Porque não convidas ali um dos membros dos casalinhos gay? Estão zangados porque um quer dançar e o outro não. Assim como assim não há perigo de outros interesses."<br />
- "Até ia..."<br />
- "Isso vai lá que eu fico aqui a ver."<br />
<br />
Ela foi, eu fiquei a ver.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://amelendez223.wordpress.com/2010/08/16/want-to-go-out-dancing-no-mind-if-i-go-then-part-1/" target="_blank"><img alt="Want To Go Out Dancing? No? Mind If I Go Then?" border="0" height="400" src="http://amelendez223.files.wordpress.com/2010/08/jealousy.png" width="350" /></a></div>
O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1379287954525025267.post-3058282478028451202013-10-27T19:01:00.001+00:002013-10-30T21:47:19.589+00:00Mais uma alvorada, mais uma jornaO voltar da alvorada anuncia-me mais um dia de serviço. Mais um dia em que me vendo a outrém, vivendo o que me comanda fazer. Visto-me de vermelho como nos outros dias, provando ser o mais hábil dos camaleões, e saio. Em casa deixo esposa galante, filhos saltitantes, pinturas, artefactos e manifestos criados em tertúlias empolgantes. Um vibrar de vida pulsante.<br />
<br />
À medida que me afasto vou perdendo pulso. Caminho pesadamente, sobrecarregado pelo meu instrumento de trabalho. A troco de soldo deixo de ser um pensador, tornado-me mero executor.
Finjo que o tinir das moedas me ensurdece, que o brilho do ouro me cega,
que a língua me entorpece ao sentir o seu sabor metálico.<br />
<br />
Na verdade consigo apenas não falar. Vejo, ouço e penso sobre cada face, cada gesto, cada argumento, cada jura, cada sentença. Uma insignificância quando há concordância. Um suplício quando perante uma inocência culpada.<br />
<br />
Pé ante pé chego ao cruzamento mais movimentado da cidade. Aqui, onde o atropelamento não se perde em vaidade, olho em todas as direcções, inclusive para o céu! Não vá em caso de infortúnio algum engarrafamento me obrigar a fazer um desvio pelo Inferno! Teria eu salvo-conduto por entre os seus carrascos? Ai está uma dúvida que me aflige e não me apraz descortinar.<br />
<br />
Livrando-me da colhida apresso-me a entrar no tribunal e consultar a guia de tarefas do dia. Tal é a intensidade dos trabalhos de hoje que, à medida que o dia passa,
ficarei certamente com as calças completamente ensopadas pelos respingos do sangue, suor e lágrimas, avivando a sua vermelhidão. Normalmente é na pausa entre cada tarefa que projecto esboços das minhas futuras criações e planeio o ajuntamento do tempo e materiais necessários. Apesar de embrutecedoras, são as artes do meu ofício que me sustentam. Sem elas não poderia explorar todas as outras. Quando me perguntam o que faço, não respondo com o indicar da minha profissão. A ela eu não a faço, eu executo-a. Trabalho, porque tem que ser, naquilo que me calhou sendo que me recuso a enfiar o seu capuz.<br />
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Afinal não deixarei que as coisas que tenho de fazer matem as coisas que gosto de fazer.<br />
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<a href="http://fr.wikipedia.org/wiki/Le_Supplice_de_Jane_Grey" target="_blank" title="Le Supplice de Jane Grey"><img alt="" border="0" height="332" src="http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/cb/PAUL_DELAROCHE_-_Ejecuci%C3%B3n_de_Lady_Jane_Grey_(National_Gallery_de_Londres,_1834).jpg" title="" width="400" /></a></div>
<br />O Mundo de Farniahttp://www.blogger.com/profile/12551601400807166351noreply@blogger.com0