Tan tan do esquecimento
Já lá vão quase duas décadas desde que aqui me deposito. Mais uma das vasilhas cheias que formam este vasilhame. Ao contrário das vasilhas vazias não prestamos para reciclar porque quanto mais uso a vida nos dá mais recheados ficamos. E este recheio é um empecilho. Mais vale que se perca do que custear o seu processamento e refinação.
Muitos de nós andamos pelos oitentas, alguns a roçar os noventas, e uns poucos já entraram na extraordinária liga dos entos. Paradoxalmente os dias custam tanto a passar mas os anos passam tão rápido... com a acrescida angústia da meta estar à vista e ninguém fazer a mínima ideia sobre como será o pódio.
Por vezes o juízo e as recordações abalam antes do resto. Imagino-os lá na meta esperando que o resto do esqueleto, e da cabeça, lhes acompanhe o passo. O Sr. Justino é um desses casos. Cá chegou de rompante, em grande alarido, ecoando sonante o tan tan das suas ideias.
Com frequência esquece-se de quem é, de quem somos, de quem foi. Pior, baralha-nos a todos e dá as cartas viciadas à sua maneira, diferente em cada dia, rotulando-nos nomes e memórias que desconhecemos, com a certeza convicta daqueles para quem esquecer atingiu o seu expoente máximo, esquecendo-se inclusive do próprio esquecimento.
O Sr. Justino matinha apenas uma rotina certa. A de diariamente, desde o primeiro dia em que chegou lá para mais anos do que aqueles que se contam pelos dedos de duas mãos, se dirigir a mim de forma encabulada, declarando-se como um desde sempre e eternamente apaixonado pela minha pessoa. O corolário desta sua rotina era o pedir-me em namoro. Sempre!
Pelos vistos a mim saía-me sempre a carta de um seu antigo amor, do qual nunca pronunciava o nome. Que desassossego todas as manhãs, meu Deus. Ouvir-lhe as palavras ternas, prepará-lo para a desilusão do meu "Não", a esforçada explicação que se seguia, abordando ambas as nossas viuvezes e a impossibilidade de eu ser quem ele pensa porque as nossas vidas apenas se emparalelaram ali.
É penoso vê-lo rendido ao meu "Não", incrédulo quanto à minha 'absurda' explicação. Todos os dias ao longo destes anos. E eis que um dia, no seu aniversário, decidi felicitá-lo com um "Sim". Um simples e curto "Sim", sem justificação, sem prefixo nem sufixo, só um "Sim" que ele fixasse.
E desde esse dia que o Sr. Justino começa os seus dias pululando pelo relvado em minha direcção, chochando-me um grande bom dia e sentado-se a meu lado onde permanece radiante sem nunca mais me ter perguntado se quero namorar com ele.
domingo, julho 28, 2013
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Olá... estou-te a ver! Podes falar mal ou falar bem mas com juizinho sff! Beijinho e/ou Abraço