Não consigo falar contigo, porra!
Desculpem.
Ainda sou do tempo do offline. Do tempo em que nem sequer haviam telemóveis. Em que não estávamos acessíveis a toda hora. Nesses dias andava na rua, solto, em brincadeiras ou judiarias que ficavam só entre nós, os que para ali vagueávamos ao Deus-dará. O único condicionante era a hora de voltar para casa. A única altura da minha vida em que usei um relógio porque isso era crucial para as minhas orelhas, bochechas e nádegas.
A distância física dava azo a ausência de relacionamento para com alguns, o que não impedia que quando se dava o momento de ajuntamento todos estivessem sintonizados, entusiasmados, focados uns nos outros e nas histórias trocadas. As conversas estavam livres das interrupções provocadas por toques inesperados, que obrigam a atendimento imediato, e por tiques ansiosos a confirmar que não há novas mensagens, não há novos status update nem novos likes.
Outrora a indisponibilidade imediata era algo natural, hoje está ao nível da afronta social.
Diz-me muita gente que o dia de aniversário é um dia de celebração da vida, que é bom receber parabens de todos à nossa volta, que isso demonstra o que significamos e com quem podemos contar. Alguns ofendem-se por aparentemente eu barrar a oportunidade para entrega dessa manifestação de afeto.
Ponho-me a pensar no que é a vida e divirto-me com a teoria de que isto que conhecemos é na verdade o purgatório, que a verdadeira vida vem depois daquilo a que chamamos morte. Como se abandonássemos um casulo físico, um estado larva, para assumirmos todo o nosso esplendor etéreo, assumindo-nos como uma maravilhosa e celestial borboleta.
Neste dia, em que fazemos anos, somos inundados de ruído. Telefonemas, posts, palmadas nas costas de tudo e todos. As solicitações são tantas que damos o mesmo grau de atenção a quem só nos contacta uma vez por ano, e logo hoje, como a quem lida connosco diariamente. Os dizeres são quase sempre os mesmos obrigando às mesmas respostas, num modo piloto-automático que não gosto de ter.
Eu estou vivo todos os dias do ano e é neles que destrinço quem realmente aprecia a minha existência e quem quero que esteja presente. Hoje não. Hoje é confuso e mesmo desgastante. Sempre foi e imagino que sempre será. Por isso resguardo-me ao máximo.
Em plena consciência porque sei que quem conta mesmo já me deu os parabens noutro dia e de uma forma qualquer, às vezes sem sequer disso se aperceberem. Alguns até se esquecem periodicamente que faço anos exactamente hoje, os sacanas. Outros só os vejo de anos a anos, sem conversas pelo meio, sempre com a estranha sensação de não ter existido interrupção no convívio.
Dar ou receber votos de bom aniversário para mim está ao nível de um protocolo ou ritual quase cego ao estilo de um picar de ponto. Comigo ninguém ganha mais apreço por o cumprir nem perde simpatia por não o fazer. E isto para mim é bidireccional. Uma panca minha, mais uma, como qualquer outra.
Em suma os costumes dizem que este dia é meu. Se é meu é para eu o gozar como o entenda e não como a maioria o entende. Entenderam?
Hoje fui um recluso sossegado e silencioso. Apeteceu-me.
Não será uma forma de celebração da dádiva da vida dar a sensação de estar morto por um dia?
Estar morto deve ser muito perto disto. Ter montes de gente a querer falar connosco e isso ser completamente inacessível. Não dar resposta. Não dar feedback. Não nada.
A dúvida instala-se: "O gajo está bem?". Sim porque a maioria de nós, humanos, tem a mania de bater a bota sem pré-avisar ninguém. E quando isso acontece, pensamos na pessoa em causa, vasculhamos a mente à procura dos últimos momentos e das últimas palavras trocadas. Infelizmente para muitos a única coisa que lhes ocorre é o tradicional e anual
"PARABÉNS!"
quinta-feira, outubro 25, 2012 | Etiquetas: Devaneio | 1 Comments
Uma questão de timing
- Falta muito?
- Para o quê?
- Para o tempo certo!
- Outra vez com isso?
- Sim, quero mesmo fazê-lo!
- Então espera, caraças!
- Pelo quê?
- Pela altura certa para o fazer.
- Não percebes que eu preciso de saber o quando? Já sei o quê, o onde e o como!
- És como toda a gente. Sabes tudo menos o mais importante.
- E tu? Só me sabes dizer que não é agora. Só adiar, só adiar... Como é que sei que já não passou o tempo certo de o fazer?
- Está descansado que se passar o saberás de imediato.
- Saberei, saberei... e tu como é que sabes que o meu tempo certo não é neste momento?
- Não sei. Mas se o tentares ficarei a sabe-lo imediatamente...
- Vai-te foder!
- Já estou.
- Vou fazê-lo agora!
E fê-lo mesmo.
- Então como correu?
- Vai-te foder!
- He he he... Já estás.
sábado, outubro 13, 2012 | Etiquetas: Devaneio | 0 Comments
Escrito de Fresco porquê?
Seguidores
Arquivo do blogue
- dezembro 2019 (1)
- junho 2018 (1)
- outubro 2017 (1)
- agosto 2017 (1)
- junho 2017 (1)
- maio 2017 (3)
- março 2017 (1)
- setembro 2016 (1)
- dezembro 2015 (1)
- agosto 2015 (1)
- março 2015 (1)
- fevereiro 2015 (1)
- dezembro 2014 (2)
- novembro 2014 (3)
- junho 2014 (1)
- abril 2014 (2)
- março 2014 (1)
- janeiro 2014 (1)
- outubro 2013 (1)
- julho 2013 (1)
- junho 2013 (1)
- fevereiro 2013 (1)
- novembro 2012 (1)
- outubro 2012 (2)
- agosto 2012 (1)
- junho 2012 (2)
- maio 2012 (1)
- abril 2012 (2)
- março 2012 (1)
- janeiro 2012 (4)
- dezembro 2011 (1)
- novembro 2011 (1)
- outubro 2011 (1)
- setembro 2011 (1)
- agosto 2011 (1)
- julho 2011 (1)
- abril 2011 (2)
- março 2011 (2)
- fevereiro 2011 (1)
- janeiro 2011 (2)
- dezembro 2010 (3)
- novembro 2010 (2)
- setembro 2010 (1)
- agosto 2010 (1)
- julho 2010 (2)
- junho 2010 (3)
- maio 2010 (6)