Os Pirilampos Fundidos
Aqui a noite costumava ser bela com o escuro como o breu polvilhado pelos pontos de luz orgânica que riscavam o ar quais estrelas cadentes intermitentes pouco acima do solo. Esse pontos de luz mais não eram que um enxame de pirilampos que habita nestas paragens.
Os pirilampos, ou vaga-lume se assim preferirem, produzem luz, diretamente a partir do seu corpo, cuja intensidade e duração varia de acordo com o seu estado de espírito. Nuns dias destacam-se uns, noutros destacam-se outros criando um belo padrão luminoso, caótico e aleatório, sarapintado no ar. Cada pirilampo sabe, pela sua própria experiência, que numa noite em que esteja mais apagado pode contar com a luminescência de outros que se encontrem ao seu redor.
A harmonia estava garantida pois havia sempre algum pirilampo capaz de iluminar o caminho. Davam e recebiam luz sem olhar a quem.
Mas em todo o pano cai a nódoa e numa triste noite começou a mudança que nos leva até às noites de hoje. Um dos pirilampos, sabe-se lá porque motivo, começou a sentir-se menosprezado, subvalorizado. Gostava de ser o holofote do enxame e nas noites em que não era o mais aceso invejava aqueles que o ofuscavam fazendo-lhe uma certa sombra.
Sem dar por isso começou uma campanha que mudaria tudo. Falava com os outros pirilampos diminuindo a sua auto-estima, dizendo-lhes que ultimamente andavam pouco vistosos, que a sua luz, perfeita, não era suficiente para luminar o caminho, oferecendo-se para tomar o seu lugar na linha da frente, mesmo quando a sua luz era muito inferior à do visado pelas críticas. Lentamente todo o enxame começara a perder brilho, porque o estado de espírito de cada um dos pirilampos estava abalado pelas dúvidas incutidas pelo seu solícito conselheiro. Conselheiro este que se passou a destacar pois a sua luz, mesmo nas noites em que se apresentava mais ténue, era agora sem dúvida a mais vistosa. De tal forma que se passou a auto-intitular O Iluminado.
O Iluminado gabava-se da sua luz eterna, comiserava os seus companheiros reconhecendo que iluminar a comunidade é uma tarefa muito exigente e degastante e que era normal que apenas os mais fortes e obstinados conseguissem executá-la em níveis de alto rendimento. Mas que não se preocupassem, bastaria segui-lo para trilhar os caminhos certos, escolhidos por ele, em segurança.
Progressivamente, um por um os pirilampos viram a sua luz fundir-se, a noite foi ficando cada vez mais escura como o breu, com um pontinho de luz ocasional quando o Iluminado estava nas suas melhores noites. E mesmo assim o facho emitido não tinha diâmetro suficiente que lhe permitisse vislumbrar pelo menos os vultos dos seus companheiros que imaginava ainda viverem ao seu redor, dependentes do seu one pirilampo show.
Na verdade, sem o querer, muitos dos pirilampos tinham migrado para outros campos, porque se tinham perdido no escuro derivado da incapacidade do Iluminado em manter uma luz constante, forte o suficiente para tornar os caminhos perceptíveis para todos. Nesses campos restauraram a sua luminescência castrada apenas por condicionantes psicológicos, recuperaram o sentido e valor da vida em verdadeira comunidade a voltaram a executar grandiosos espetáculos visuais.
Só aqui a noite ficou mais triste, menos bela, facto percebido por todos que aqui habitam. O pior é que até o Iluminado isso constatou mas simplesmente não se importou.
domingo, dezembro 11, 2011 | Etiquetas: Conto | 0 Comments
Escrito de Fresco porquê?
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