Avaria de TV no Hotel

Acabo de entrar no quarto e a TV está acesa. Não quero TV, não quero tecnologia, não quero media. Estas férias vou desligar-me de tudo. Quero reaprender a ver e sentir o mundo sem ser poluído pelas frases chavão dos opinion makers, sem me afogar na osmose dos eu gosto disto. Quero desvirtualizar-me um pouco.

Mas a TV está ligada. A puta da TV está ligada e não tenho o comando à mão. Não está na cómoda, não está coberto pelos lençóis. Sumiu-se, talvez uma partida dos antigos hóspedes. Eu faço o mesmo por diversão.

Esta TV é daquelas sem botões à vista. Não há nada óbvio para carregar. Apetecia-me carregar à bruta para ela sentir o quanto me incomoda. Percorro a sua moldura na esperança de activar algo por contacto digital. Nada. Cabra! Fito a ponta do dedo indicador, completamente negra, e vejo nitidamente o meu código de barras. Curioso o sermos marcados com estes emaranhados curvilínios. Julgo que li algures, num qualquer blog certamente, que se olharmos para eles tempo suficiente corremos o risco de entrar em auto-hipnose.

Antes disso limpo o dedo e sento-me na cama a pensar o que fazer. Em dois segundos estou especado a olhar para o programa que está no ar desde que entrei. Passa-me pela cabeça que já há tempo demais não sou capaz de ver nada sem zapping constante. Agora sou obrigado a estagnar. Parece ser um daqueles programas de viagens que nos vendem experiências em destinos paradisíacos mostrando apenas as partes boas.

No enquadramento vejo um horizonte panorâmico, com um verde de floresta tropical a diluir-se ao fundo num misto de azul do mar e azul do céu. O céu é rasgado por aves exóticas que me parecem papagaios ou catatuas. Grandes e coloridas, com voos majestosos, emitindo sons que tão depressa se confudem com estridentes gritos de zombaria como com batuques ritmados em madeira. Onde ficará isto? Tem bom ar.

Em primeiro plano estão pessoas num género de feira, ou festival, com cores tão garridas como as das aves no céu. Divertem-se comendo, bebendo e dançando numa algazarra descomunal. As crianças correm desvairadas de um lado para o outro no seu normal chinfrim sem fim. Já não tenho pachorra para estes folclores. Se lá fosse fugiria disso. Ia para o meio daquela selva ou para uma praia deserta apreciar tudo o resto.

Não sei que raio de canal e programa são estes mas abusam daquelas cenas combinadas em que as pessoas acenam para a câmara sorrindo, como se falassem directamente connosco. Neste até ficam um pouco especadas, parece que esperando que algum espectador lhes retribua o cumprimento. Olha, agora apareceu um polícia que lhes levantou o cassetete e resolveu a situação. Ha ha ha. Sairam logo todos do plano. Tomara nós que a nossa polícia ainda gozasse deste nível de autoridade...

JÁ CHEGA! Estou farto. Só quero desligar a TV e entregar-me a umas férias descansado. Para grandes males grandes remédios. Ligo para a recepção e arranho:

- "Olá. La TV esta mala. Necessito el remoto por favor."
- "¿TV? ¿Qué televisión? Nosotros no tenemos televisión en nuestras habitaciones."
- "Como não? Ques eso en la parede?"
- "En la pared? Eso es la ventana señor..."



Escrito de Fresco porquê?

Há quem me tome por incontinente verbal mas a verdade é que a minha língua não tem débito suficiente para o turbilhão de pensamentos que me assolam a mente a todo o momento. Alguns engraçados, outros desgraçados, mas vários merecedores desta lapidação digital para a posteridade e, quem sabe, para a eternidade. Os escritos aqui presentes surgiram do nada e significam aquilo que quiseres. Não os escrevi para mim mas sim para ti. Enjoy

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