O Morto Vivo

- OLHA OLha olha! não acredito! Anda cá! És tu? Pensava que tinhas morrido! Foi o que me tinham dito! Várias pessoas, ainda por cima. Nem sabes o alívio que estou a sentir por te ver assim vivo da silva.
- hehehe Morto? Eu? Não, está tudo bem comigo, não te preocupes amigo.
- Porra, mas toda a gente me dizia que tinhas morrido num acidente, numa viagem pelo estrangeiro ou lá o que tinha sido.
- Sim, conheço a história. Fui eu que lancei o boato. :)
- !? Foste tu que lançaste o boato? Mas estás parvo? Brincadeira de merda.
- Decidi educar as pessoas para deixarem de sentir tristeza pela minha morte. Pelos vistos conheces uma das minhas mortes. No passado recente também já me afoguei ao saltar de um penhasco na Costa Vicentina e estatelei-me num salto de paraquedismo que correu mal. Nessa até me tinha desintegrado ao aterrar hehehehe
- Que raio... tu és doente mental, só podes. O que é isso de educar as pessoas para não sentirem a tua perda?
- Simples. De cada vez que sabem que estou vivo, como tu agora, primeiro fazem uma festa ao reverem-me e depois deixam de acreditar na próxima notícia sobre a minha morte. Pensam que lá está aquele palhaço a gozar novamente. E até se divertem. Um dia quando morrer mesmo ninguém vai acreditar e escusa-se de perder tempo com lamentos e o ritual do velório e funeral.
- Mas tu pensas que as pessoas não vão dar pela tua falta? Não dares notícias nem apareceres?
- Ouve lá, há quanto tempo não nos víamos?
- Sei lá, uns 3 ou 4 anos não?
- Exacto. E não fosse te terem dito que eu tinha morrido achavas que eu estava vivo?
- Bem, sem nada em contrário naturalmente iria achar que estarias vivo.
- E achando que eu estaria vivo se me visses um dia, ao longe, pensarias para contigo que lá estava eu e se não fizessemos contacto visual provavelmente nem te metias comigo.
- Er... sim talvez, poderia acontecer.
- Mas hoje, como pensavas que eu estava morto, acabaste por querer confirmar se era eu, ou não, e chamaste-me a atenção para ti. E aqui estamos nós na galhofa.
- Sim, é verdade...
- Lá está, acabo por reavivar mais contactos morto do que vivo! Nem sabes a quantidade de pessoas que não via há anos que me encontram agora em todo o lado. Já andavam por lá mas escondidas nas sombras. É preciso um isco para se mostrarem e sairem do conforto dos seus esconderijos e das suas inseguranças. Neste caso o isco é o momento divino de me verem, um morto, à sua frente. A resurreição in loco.
- Desculpa lá, essa teoria está muito à frente da minha capacidade de entendimento. Mas vejo uma falha na tua arquitectura diabólica. A mesma da fábula de Pedro e o Lobo. Se um dia realmente morreres ninguém terá a oportunidade de se despedir de ti, porque vão pensar que é mais uma das tuas farsas, e estarás sozinho no teu funeral.
- Já foste a algum funeral?
- Sim, claro.
- Então deves compreender que num funeral a única pessoa com quem gostaríamos de falar é exactamente aquela que já não pode falar. Dizer-lhe e ouvir-lhe umas últimas palavras. Por isso poupo a toda a gente um dia perdido e cinzento. E eu certamente não sentirei a falta de nada. Por isso se queres despedir-te de mim, assim uma coisa sentida, podes fazê-lo de cada vez que me vires porque pode ser a última.
- ..... deste-me um verdadeiro nó na cabeça ..... Mas em todo o caso gostei de te ver e de conversar contigo. Vê lá se ganhas juízo e vais dando notícias. De vida e não de morte.
- Ok, eu mantenho o contacto a não ser que algo mortal me aconteça...

Escrito de Fresco porquê?

Há quem me tome por incontinente verbal mas a verdade é que a minha língua não tem débito suficiente para o turbilhão de pensamentos que me assolam a mente a todo o momento. Alguns engraçados, outros desgraçados, mas vários merecedores desta lapidação digital para a posteridade e, quem sabe, para a eternidade. Os escritos aqui presentes surgiram do nada e significam aquilo que quiseres. Não os escrevi para mim mas sim para ti. Enjoy

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